Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Um Prelúdio do Portinari

No próximo sábado, dia 16 de abril, será a estréia da série Portinari da Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Antes dos concertos da série, a orquestra promove palestras para abordar de forma descontraída alguns aspectos interessantes sobre o repertório do dia. Pois vejam só amiguinhos: neste sábado eu serei a palestrante!! Foi uma honra ser convidada pela orquestra e estou me divertindo demais me preparando para o evento. É claro que conforme a data vai se aproximando, vai dando um friozinho na barriga mas vai dar tudo certo. 

Como parte do processo de levantamento de informações para a palestra, tive o privilégio de conversar com um dos solistas da tarde: o violista Dhyan Toffolo.  Ele tocará o concerto duplo para viola e clarineta (op.88) de Max Bruch ao lado do clarinetista Cristiano Alves e generosamente me cedeu algumas horas do seu dia para falarmos sobre a obra, o compositor e a experiência de solar um concerto no Theatro Municipal. 

Dhyan é violista da OPES, professor da UNIRIO, acabou de concluir o seu mestrado, fez a direção artística do CD do Trio Capitu ("Novos Ventos") e ainda tem fama de ser ótimo churrasqueiro. É talento que não acaba mais! Transcrevo abaixo alguns trechos dessa prosa e espero que esse amuse-gueule lhes dê fome de concerto. Até sábado! A palestra começa às 14:30, venham!!! 

Quarta-feira, 06 de abril de 2016

Eu: Você e o Cristiano Alves já são músicos da OPES há muitos anos. Como foi o convite para solar esse concerto?
DT: A ideia de tocarmos este concerto nasceu há cerca de dois anos. Eu estava fazendo uma pesquisa de repertório para viola e quando me deparei com este concerto, eu fiquei louco. Comprei a partitura e comecei a estudar. Mostrei para o Cristiano, que já conhecia a obra, e ele concordou que seria uma proposta interessante de fazermos à diretoria artística da orquestra. Escrevi o projeto e entrei à diretoria e eles foram muito receptivos, afinal esse concerto é muito bonito e pouco executado. Eles não apenas incluiram o concerto na programação deste ano, como colocaram na abertura de uma das séries principais no Theatro Municipal. Ficamos muito felizes.

Eu: O que foi neste concerto que te deixou louco?
DT: Bem, eu sou um cara romântico (risos) e tenho uma relação muito especial com o Max Bruch. Quando vim morar no Rio, me despedi da Orquestra de Sorocaba solando justamente o concerto no. 1 em sol menor que é uma das peças mais populares para violino e orquestra. Esse concerto duplo para viola e clarineta é muito menos conhecido mas também é lindíssimo, complexo e impactante desde a primeira nota! Nesses dois anos, eu já devo ter escutado essa peça mais de 500 vezes e ainda não cansei dela.

Eu: 500 vezes?! Qual é a sua versão favorita?
DT: A que eu mais gosto é uma gravação com a orquestra da Opera de Lyon, regida pelo Kent Nagano, Paul Meyer na clarineta e Gérard Caussé na viola. É incrível!

Eu: Como você se prepara para uma performance como essa? Qual é a parte mais dificil?
DT: Primeiro, o dedo tem que aprender as notas. Nesse sentido, o terceiro movimento é o mais difícil. É mais rápido, tem mais notas… Mas artisticamente acho que o primeiro movimento é o mais desafiador. O primeiro movimento costuma ser o mais inspirado, é onde está a ideia central da peça. Só nos primeiros compassos, já temos que tomar várias decisões em relação a como executar aquele trecho. Eu e o Cristiano temos trabalhado muito juntos para que haja um alinhamento de intenções. E depois tem o ensaio com a orquestra que é a hora da verdade (risos).

EU: Como é tocar com o Cristiano Alves? Fiquei sabendo que você tocou no lançamento do CD que ele gravou recentemente.
DT: É verdade. Toquei a Modinha do Osvaldo Lacerda mas foi só no evento do lançamento. Quem gravou a viola no CD foi o Gabriel Marin que é um ótimo violista. Foi um evento muito gostoso. Tocar com o Cristiano é antes de tudo uma honra. Ele é um músico de primeira linha, seguramente um dos melhores que o Brasil já teve! É reconhecidamente exigente com todos os detalhes e eu acho isso muito bem-vindo. Adoro um desafio e gosto de trabalhar com quem sempre busca ir um passo além. É o que faz a gente crescer e se desenvolver profissionalmente.


EU: E como é tocar com os teus colegas da OPES? Você normalmente está na terceira estante das violas e agora está na frente da orquestra. É mais difícil tocar diante dos colegas do que solar com outra orquestra do mesmo nível?
DT: Por um lado, tocar com os colegas é mais difícil porque se você faz besteira, ainda tem que encarar todo mundo na semana seguinte (risos). Mas essa orquestra tem um clima espetacular. Sinto da parte de todos uma torcida muito grande para que tudo corra bem e estamos todos trabalhando juntos para o sucesso do concerto e da orquestra, sempre! A comunicação também fica mais fácil quando você sabe exatamente o que é esperado de você. Como tanto eu quanto o Cristiano somos músicos de orquestra, sabemos o que a orquestra precisa do solista e o que o maestro requer também para que todas as partes se encaixem. Creio que o entrosamento não tem como ser melhor.
Quanto ao desafio de solar um concerto, creio que seja mais uma etapa a ser vencida na vida de um músico profissional, assim como aprender o instrumento, se tornar membro de uma orquestra, ser chefe de naipe, fazer música de câmara etc… Já passei por isso tudo e já fui solista em diversas ocasiões ao longo da minha formação. Mas é a primeira vez, solando um concerto de viola, no Theatro Municipal em uma das séries principais da OPES. É muito especial e certamente o concerto mais importante que eu tenho a oportunidade de participar como solista.

EU: Esse concerto foi escrito pelo Bruch em 1911. Você identifica nele alguma influência mais moderna?
DT: Nenhuma! Poderia perfeitamente ser datado de 30 anos antes.

EU: Na sua estréia, o concerto não recebeu boa críticas. Foi tido como “pouco inspirado”, talvez já “demodé”. Cem anos depois, ele voltou à moda?
DT: Essa questão de moda é complexa. A gente poderia ficar uma semana falando só sobre isso (risos). Resumidamente, eu acho que música boa não sai de moda e Max Bruch já garantiu sua cadeira cativa dentre os grandes compositores do romantismo e esse concerto é maravilhoso!

EU: Quais outras obras você gostaria de tocar como solista?
DT: TODAS! Ainda sou novo e posso ser ambicioso, por que não? Mas tem duas que tenho um carinho especial: o concerto de Bartok e o concerto de Walton. O de Bartok é tido como um dos mais importantes do repertório da viola mas confesso que tenho uma quedinha pelo Walton. É fantástico!

EU: Se você pudesse fazer uma recomendação para a platéia que vai assistir a esse concerto, qual seria a dica?
DT: A viola e a clarineta possuem vozes semelhantes mas possuem qualidade também bem distintas. A viola é mais melódica enquanto a clarineta é mais virtuosa. Bruch, nesse concerto, soube explorar tanto as similaridades quando as diferenças entre os dois instrumentos. Agora cabe a nós, intérpretes, mostrar isso para o público. E é isso que pretendemos fazer, desde a primeira nota! Eu vou mostrar a viola, o Cristiano vai mostrar a clarineta e já vamos partir com tudo!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Auê total!

Todo final de ano é aquele mesmo auê! Correria para encerrar projetos, milagres para fechar orçamentos, um vira-tempo para dar conta de mil confraternizações e as famosas resoluções de ano novo. A expectativa é tão grande que a gente realmente acredita que vai fazer exercício regularmente, procrastinar menos no trabalho, e encarar sem dificuldade três desafios de leitura. E eu sempre juro de pés juntos que vou escrever neste blog com mais regularidade. Mas aí, em menos de um mês, já foi tudo por água abaixo. Pelo menos por aqui, ainda dá para recuperar o tempo perdido.

O ano começou, como de hábito, com um grande jejum de concertos graças às férias insuportavelmente longas dos músicos de orquestra da cidade. Enquanto isso, a gente se diverte com outras artes e a programação teatral no Rio está bombando. Dentre as peças em cartaz está mais um grande acerto da Sarau Agência de Cultura Brasileira e da Companhia Barca dos Corações Partidos (adoro esse nome!) com “Auê”.

Imagem "roubada" com todo carinho do Facebook da Companhia.

A peça (ou seria show?), reúne uma coleção impressionante de talentos incorporados em sete músicos/dançarinos/cantores/atores, mais um Rick de la Torre empolgadíssimo na bateria. Só de instrumento, se não me falha a memória, foram apresentados números com guitarra, baixo, sanfona, rabeca, saxofone, trombone, flauta, trompete, triângulo, e vários tambores e instrumentos de percussão cujos nomes corretos desconheço. Como se não bastasse atuar e tocar um instrumento, cada integrante do grupo toca no mínimo três, de pé, deitado, de cabeça para baixo, dançando e cantando ao mesmo tempo (o Beto Lemos é excepcionalmente irritante de tão versátil). O resultado são números belíssimos, ora leves e divertidos, ora profundos e emocionantes. Ah sim... as músicas são próprias. Eles brincam que é para não pagar direito autoral mas eu acho que é só para esbanjar mais um pouco o excesso de habilidade artística.

A expressão corporal meio descontruída e a movimentação do elenco no palco são um espetáculo à parte. A direção genial de Duda Maia soube aproveitar maravilhosamente bem a disposição do teatro de arena do SESC de Copacabana, privilegiando movimentos constantes, fluidos e entrelaçados. A iluminação perfeita e sincronizada com toda essa movimentação, assim como a maquiagem meio mística, dão o toque para que a emoção transborde.

Dentre meus números prediletos, destaco o longo e comovente poema/cordel declamado por Eduardo Rios; os números cômicos do Renato Luciano e os introspectivos com direito a solo de flauta do Alfredo del Penho; a linda canção do Fábio Enriquez pendurado na rede vermelha; o solo do Ricca Barros na escuridão, só com o rosto iluminado que me arrepiou todinha; e a música que encerra o espetáculo e arranca aplausos efusivos da plateia.

Mais impressionante que o espetáculo em si é a revelação que ele foi todo montado sem patrocínio. É nessas horas que não dá para entender o que se passa na cabeça dos apoiadores da cultura neste país. Um espetáculo lindo, brasileiríssimo, original e criativo merece todo o apoio para que ele possa deslumbrar plateias Brasil afora. Parabéns e obrigada à produção que nos brindou com esse presente.

Infelizmente a temporada de “Auê” se encerrou no último domingo. Quem perdeu tem que torcer para eles voltarem logo ao Rio. Quem foi e está doido para reviver alguns dos números mais memoráveis pode dar uma contribuição para a “vaquinha” que financiará o CD. É só clicar aqui ó: www.benfeitoria.com/auê. Um dos brindes para quem doa é uma serenata! Vai perder essa?


Só para fechar, no final da noite de sexta, quando fui assistir à peça, encontrei com o Adrén Alves no ponto de ônibus. Além de ser lindo e dono de uma voz surpreendente e encantadora, ele é um fofo e eu ganhei um abraço carinhoso. Ô sorte! 

terça-feira, 21 de julho de 2015

N-gram sinfônico

Sempre tive uma certa dificuldade para entender porque algumas pessoas não gostam de música clássica. Segundo uma palestra do Benjamin Zander na plataforma TED (muito boa, por sinal, recomendo!), apenas 3% da população se considera amante da música clássica. Os outros 97% se dividem entre pessoas que não ligam, nunca ouviram ou não gostam. Para os otimistas como eu, isso significa que há um potencial enorme de crescimento!

No entanto, parece que estamos caminhando para o lado oposto. Diariamente escuto relatos de orquestras falindo, gravadoras fechando, concertos vazios e falta de espaço e investimento. Ao que tudo indica, há menos interesse hoje pela música clássica em relação ao passado e muitas pessoas, incluindo músicos, compositores e produtores acreditam que essa arte (principalmente orquestras sinfônicas) não sobreviverá a mais uma ou duas gerações. Essa afirmação me causa pavorosos arrepios!

Resolvi investigar se o interesse geral pela música clássica está realmente em queda. Na verdade, queria uma desculpa para usar uma ferramenta superlegal do Google chamada N-gram Viewer. Ao colocar uma palavra-chave nesse brinquedinho, ele escaneia toda a literatura mundial que já foi digitalizada pelo Google e outras iniciativas e disponibiliza o resultado em termos percentuais (número de livros que citaram a palavra-chave em relação ao número de livros publicados naquele ano) por ano. Em outras palavras, quanto mais alto o n-gram, mais popular é o assunto durante aquele período. OBS: Sim, eu sou nerd e esse tipo de coisa me diverte.  

Comecei a minha busca pelo termo “música clássica” (sempre em inglês pois há mais referências para formar uma tendência geral), no período entre 1800 e 2008. O gráfico resultante me deixou animada pois mostrava uma nítida tendência de crescimento do interesse ao longo do tempo, com uma ligeira queda na última década.



No entanto, me dei conta que o termo talvez não fosse o mais apropriado haja vista que mudamos a forma como nos referimos à música clássica. Afinal, no século XIX, a música de Beethoven não era chamada de “clássica”, só para citar um exemplo. Então tentei de novo, usando termos que não mudaram tanto ao longo do período de busca como “ópera”, “concerto”, “orquestra” e “sinfonia” e o resultado foi bem diferente.



A primeira coisa que chama atenção é que a ópera parece ter sido sempre mais popular do que as demais “modalidades”. Fica a dica para a diretoria do Theatro Municipal do Rio de Janeiro voltar a produzir algumas... Em seguida, reparamos que o comportamento das quatro curvas é quase idêntico, apresentando um aumento gradativo de citações desde 1800 até o pico de interesse em meados da década de 1940. Desde de então, infelizmente, só declínio para todos.

A título de curiosidade, resolvi investigar os compositores mais famosos para saber como ficaria essa relação ao longo desses dois séculos... e não é que fica igualzinho! Pelo jeito, os anos dourados da música erudita foram mesmo na década de 1940 (pelo menos de acordo com o meu método de pesquisa infalível e super científico). E agora a perguntinha que não quer calar: por quê?



O que estava acontecendo no mundo ocidental nesse período que poderia ajudar a explicar o solo fértil para a música clássica e por que ela não continuou sendo de interesse da população em geral nas décadas seguintes? Será que o nível de interesse atingiu um novo patamar ou será que continuará a cair? Os fatores que causam esse declínio são os mesmos há 70 anos ou será que foi uma sequência de eventos, acontecimentos e mutações? Podemos reverter essa tendência? Como?

Acho que chega de ponto de interrogação por hoje. Vou estudar mais um pouco e pedir ajuda aos universitários e volto em breve para continuar a nossa prosa. Enquanto isso, vejam no link abaixo a tal palestra do Benjamin Zander que comentei no primeiro parágrafo. É uma das minhas prediletas.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Novos ventos no rumo certo

Algo está no ar neste início de 2015. Como todo ano nesta época estou sofrendo com a abstinência de concertos e me preparando para o início de temporada das grandes orquestras da cidade. No entanto, há um rebuliço inquieto que me intriga.

Dentre tantas notícias negativas de orquestras em crise financeira, patrocínios escassos, mudanças duvidosas na Lei Rouanet e cortes orçamentários na cultura estadual, artistas e produtores estão se apropriando de novas ferramentas, atrativos e recursos para tirarem seus projetos do papel. Financiamento coletivo, auto-promoção, videos no youtube, concertos virtuais, comunicação interativa entre mídias, perfis em redes sociais são corriqueiros na música popular mas estão apenas começando a ganhar força entre as instituições, grupos e artistas que produzem e tocam música clássica no Brasil.  

A seguir, algumas boas iniciativas que chamaram minha atenção nos últimos meses. Se o leitor souber de outras, por favor me avise!



O Trio Capitu é um trio de sopros (flauta, oboé e fagote) composto por mulheres extremamente dedicadas, caprichosas e inovadoras. Sofia Ceccato, Janaína Perotto e Débora Nascimento não pouparam esforços desde a feliz escolha do nome carregado de cultura brasileira, passando por fotos e videos bem produzidos, sempre com um repertório diversificado incluindo peças encomendadas e arranjos sob medida. Acompanho o projeto desde a sua origem em 2012, curto a página no Facebook, assisto aos vídeos que elas postam no Youtube, fui a concertos e acompanhei o sucesso da série de concertos didáticos patrocinados pela Funarte em 2014. Agora, o conjunto está promovendo um financiamento coletivo para produzirem o seu primeiro CD. Eu já dei meu apoio. Segue o link para quem quiser conhecer o projeto e dar uma contribuição: http://benfeitoria.com/triocapitu



A Johann Sebastian Rio é uma orquestra de câmara que nasceu em novembro de 2014 de forma muito misteriosa espalhando a pergunta "o que está faltando no Rio de Janeiro?" pelas redes sociais. A resposta veio em forma de vídeo, deixando muita gente com água na boca pela versão ao vivo (e por vê-los tocando Bach, já que a estréia virtual foi com Vivaldi). O grupo que reúne alguns dos meus músicos prediletos (não vou citar nomes para não criar ciúmes, rssss...) tem tudo para dar certo na busca da inovação na relação com o público, na apresentação visual da música de concerto e na valorização dos indivíduos dentro do grupo. Enquanto não temos a chance de assistí-los em uma sala perto de casa, segue o link para o vídeo de estréia: https://www.youtube.com/watch?v=Ida0A2iKwF0. A produção prometeu uma surpresa para fevereiro e eu estou louca para saber o que é!


O Art Metal Quinteto não é nenhum debutante. Comemorou 20 anos de estrada em 2014 mas a inovação, o bom humor combativo e a criatividade, além de uma competência estonteante, são traços marcantes do grupo. O último CD do quinteto (disponível também pelo itunes, deezer, rdio e spotify) é resultado de um minucioso trabalho de pesquisa, adaptação e execução que trouxe de volta à vida a obra do Henrique Alves de Mesquita. Como se isso não fosse suficiente, o trompista Antonio J Augusto lançou a biografia desse compositor brasileiro do século XIX que complementa e contextualiza a música resgatada pelo conjunto. Será que sai também em formato de e-book? Enquanto isso, segue uma das minhas prediletas do repertório desses cinco artistas tocada ao vivo na Escola de Música da UFRJ: https://www.youtube.com/watch?v=ukY8w87uZro.

Ao que parece, a música erudita está aos poucos chegando no século XXI. Resta saber se o seu público vai acompanhar sem preconceitos. No que depender de mim, teremos antigos e novos seguidores "curtindo" cada concerto, post e link!

PS: Antes que me acusem de ser puxa-saco dos meus amigos, admito que é verdade! Afinal, eu acho meus amigos o máximo... Então venha ser meu amigo você também e me conte sobre os seus projetos inovadores. 

domingo, 10 de agosto de 2014

Salvação

"Já fui a muita missa na minha vida. Já assisti sermões de padres, bispos, monsenhores e dois papas! Mas nunca senti uma energia espiritual tão forte quanto essa de hoje. É muita bênção!"

Essas palavras não são minhas. Ouvi de uma senhorinha na saída do Theatro Municipal após a interpretação do Messias de Handel pela Orquestra Petrobras Sinfônica, na última sexta-feira. Realmente, foi uma noite abençoada. O homenageado, maestro Armando Prazeres que teria completado 80 anos esta semana, certamente estava assistindo do seu camarote celestial a sua obra predileta sendo tocada pela orquestra que fundou, com um filho regendo (Carlos Prazeres) e o outro de spalla (Felipe Prazeres). E o que se ouviu, acordou os anjos. 

A mezzo-soprano Carolina Faria foi o destaque dentre os solistas, não apenas pela belíssima performance mas pelo seu envolvimento com a obra ao longo de toda sua duração. Mesmo quando não estava cantando, era notável sua concentração, sua emoção diante da performance dos colegas e sua entrega à música do oratório. Consequentemente, suas falas estão entre as mais memoráveis da noite, com menção honrosa para "O thou that tellest good tidings to Zion" e "He was despised and rejected of men". Nesta última passagem, que retrata a paixão de cristo, ficou sensível o ódio e desprezo direcionado ao Cristo e o penar da interprete em relatar tamanho sofrimento. A cena parecia se desenrolar diante dos nossos olhos enquanto as cordas da orquestra ditavam o ritmo dos passos romanos. 


O barítono Sávio Sperandino também rendeu momentos de fortes emoções. "Why do the nations so furiously rage together", em tempos de guerra no Oriente Médio, chocou pela atualidade de uma obra composta em 1741. "The trumpet shall sound" veio com anúncio potente e um trompete divino (Nelson Oliveira) soando do camarote presidencial, como deve ser um recado do todo-poderoso. 


Diretamente dos céus, voaram para o palco os Canarinho e Canarinhas de Petrópolis, para o nosso deleite auditivo. Esse coral infanto-juvenil é uma joia preciosa que coroou a apresentação da OPES com delicadeza e pureza. As vozes que anunciaram o nascimento de Jesus ("O thou that tellest good tidings to Zion"), o ascenderam ao céu ("Lift up your heads, O ye gates"), e festejaram a glória de Deus em um emocionante "Hallelujah" que resultou em um caudaloso rio de lágrimas que escorria pela minha face.  


Antes do Amen, Handel guardou ainda uma última prece: "If God be for us, who can be against us", uma frase que, coincidentemente, minha mãe me ensinou a murmurar cada vez que inicio uma viagem. E desta vez a proteção divina veio da voz da soprano Rosana Lamosa, do violino de Felipe Prazeres e do violoncelo do Hugo Pilger. Que Handel os abençoe. 


Ao sair do Municipal, após um jejum de concertos de 60 dias, fiz o sinal da cruz em reverência e gratidão pela bênção que o Universo me concedeu de estar presente em um evento tão especial. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Amores de Carmen

"Sur la place chacun passe, chacun vient, chacun vas..."

Me arrepio todinha só de ouvir essa palavras porque sei que Carmen de Bizet está começando! A primeira vez que assisti a essa ópera eu devia ter uns cinco anos e foi quando meus pais ganharam uma fita VHS com a versão em filme estrelada por Julia Migenes e Plácido Domingo nos papeis principais. Desde então a história e suas personagens entraram para a minha vida e eu os visito rotineiramente.



O problema de assistir a um obra mais de 50 vezes (não estou exagerando, podem perguntar para a minha mãe), é que aquela versão se torna a sua referência e qualquer desvio daquela interpretação te parece inaceitável. E quando o parâmetro é aquele elenco da produção de 1984, o bicho pega para achar encenação à altura das suas expectativas.

Ciente da minha condição de Carmen-chata e temerosa após ouvir rumores de "releituras" na direção de cena e cenografia do Allex Aguilera, fui assistir à apresentação no Theatro Municipal com coro e orquestra da casa. Eu poderia passar cena a cena aqui com minhas observações, mas acho que perderia meus poucos leitores então vamos aos pontos mais importantes.

Melhor artista no palco ontem foi a soprano Ekaterina Bakanova no papel de Micaëla. Seu dueto com José Manuel Chú (Dom José) no primeiro ato ("parle moi de ma mère...") foi emocionante e o solo no terceiro ("Je dis que rien ne m'épouvante...") acompanhado das macias trompas da OSTM deu vontade de rezar junto. Outros pontos altos incluem a dança flamenca com chales, leques e saias rodadas durante a primeira cena do segundo ato com todos os ciganos reunidos chez Lillas Pastia; o prelúdio do terceiro ato com aquele dueto de flauta e clarineta leve como uma pluma plainando sobre as montanhas espanholas; e a cena final onde Edineia de Oliveira mostrou todo o deboche do qual uma verdadeira Carmen é capaz!

O grande problema da noite foi o desencontro entre coro e orquestra que o maestro Isaac Karabtchevsky não soube consertar. Com o canto descasado da música em diversos momentos, sempre um pouco mais lento, várias das minhas cenas favoritas acabaram prejudicadas incluindo a sempre esperada Habanera e os meus xodós pessoais: a cena da briga na fábrica ("Au secours! Au secours!") e a partida dos ciganos para as montanhas ("La vie errante, le ciel ouvert...").

Fora isso, a tal da "releitura" da direção de cena pecou, a meu ver, em alguns aspectos incluindo: (1) Habanera sendo cantada de cima de um balcão longe dos homens; (2) Dom José dando um amasso na Micaëla depois de ler a carta da mãe; (3) Carmen cantando "Les tringles des sistres tintaient" estatelada na cadeira; (4) violão e palma de figuração para o Escamillo (que, alias, passou desapercebido por mim) no seu célebre "toréador en guarde"; (5) as brigas do Dom José com os seus concorrentes; (6) a projeção da tourada no último ato que certamente me lembrou que eu odeio touradas mas que cortou totalmente o clima da ópera e desviou a atenção da música e do coro. E, como de hábito, o recurso da projeção de cenário foi subutilizado.

Mas como eu dizia no início desse texto, essa ópera foi um dos meus primeiros contatos com a música clássica, fez parte da minha formação musical e continuará encantando milhões por anos a fio por um simples motivo: a música é formidável, forte e emocionante! A cada récita eu descubro um novo requinte de harmonia, uma sutileza outrora despercebida, um solo escondido no meio da orquestra. E é ao vivo que essas jóias se mostram e que você percebe toda a vulnerabilidade do artista e do personagem que está ali na sua frente. Nenhuma interpretação será igual àquele filme mas também nenhuma será igual a essa récita que eu assisti ontem. E isso é mágico!

Encerro esse texto com as palavras da Ana Carolina Marques, militante do movimento feminista, que me acompanhou ontem ao Theatro: "Por um novo final de Carmen, onde ela tira uma navalha da bolsa, degola D. José e segue divando com a ciganada." Se algum amigo compositor quiser encarar o desafio, eu me candidato a adaptar o libretto.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Um Brasil sonoro e contemporâneo

O quarteto Belmonte é um quarteto de cordas formado por músicos residentes na cidade do Rio de Janeiro mas o destino quis que a sua estreia em 2013 fosse em Curitiba (PR), longe dos meus ouvidos. A estreia e todos os 69 concertos seguintes! Portanto vocês podem imaginar meu entusiasmo quando soube que finalmente o SESC ia produzir um evento do Sonora Brasil no CCBB, aqui na Cidade Maravilhosa. 



O tema do circuito 2013/2014 é "Edino Krieger e as Bienais de Música Brasileira Contemporânea" então tive que me preparar psicologicamente para um repertório mais desafiador para mim como ouvinte. Confesso. Tenho sim um certo preconceito contra o "atual" e uma nítida predileção pelos clássicos e românticos, além de Bach que veio antes de tudo e criou a luz! Mas não se pode ignorar a voz do seu tempo, então lá fui eu para o concerto em pleno domingo de estreia de temporada de Game of Thrones (só para reforçar a minha dedicação à cena de música de concerto da cidade)! Fui fartamente recompensada. 

Da série "coisas que só a música contemporânea faz por você", assisti ao concerto ao lado de três dos compositores interpretados: Edino Krieger, Ricardo Tacuchian e Carlos Almada. Todos pareceram tremendamente satisfeitos com o resultado e ainda aprovaram as falas introdutórias de cada peça. Aliás, sustento que isso deveria ocorrer em todos os concertos, ou pelo menos todos de música de câmara. Por mais simples que seja, a fala aproxima o músico da plateia e ajuda a gente a focar em aspectos importantes da obra que poderiam passar desapercebidos. 

Talvez eu não tivesse reparado, por exemplo, que o terceiro movimento de "Telas Sonoras" (Krieger, 1997) ilustra a técnica de pintura do pontilhismo com o pizzicato das cordas (sacada genial!). Talvez eu não tivesse sido sugada pelo buraco negro do "Vórtice" (Resende, 1997). Talvez eu não tivesse viajado pelos contrastes entres os países, tristes e emergentes, que são cortados pelo "Trópico de Capricórnio" (Tacuchian, 2011). Só um adendo, eu pesquisei para confirmar e os países são: Namíbia, Botsuana, África do Sul, Moçambique, Madagascar, Austrália, Chile, Argentina, Paraguai, Brasil (Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná). 

Mas é claro que nem tudo precisa de explicação. Como não dançar em homenagem ao Astor (Almada, 1995)? Como não sentir no fundo do peito o som do Brasil do Quarteto de cordas no. 1 (Krieger, 1955)? Como não passar por uma intensa sucessão de sensações, condensadas em uma "Peça Breve" (Santos, 1980) e apenas quatro cordas? Afinal, a música contemporânea fala do mundo que a gente conhece, das angústias que a gente experimenta e da esperança que a gente compartilha. Na voz do quarteto Belmonte, até que as perspectivas estão melhorando... 

Sou meio (totalmente!) suspeita para falar desse grupo de músicos pois já sou fã dos quatro, individualmente, há anos. Janaína Salles (violoncelo), Dhyan Toffolo (viola), Márcio Sanchez (violino) e Ubiratã Rodrigues (violino) são artistas talentosos, sensíveis, versáteis, criativos e dedicados à sua profissão. Além disso, neste concerto, eles desfrutaram de uma vantagem oferecida para poucos: eles já tocaram esse repertório juntos dezenas de vezes para uma miríade de públicos. Dizem que a prática leva à perfeição... Bem, eu não saberia falar de perfeição, mas quando a gente arrepia com uma única nota da viola, um simples toque do violoncelo ou apenas a entrada do violino, é porque o negócio tá bom!