Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Retrospectiva 2012

Já que todo mundo resolve fazer retrospectivas e balanços no final do ano, não vou fugir à regra. Este ano de 2012 no Rio de Janeiro não foi dos mais gloriosos para a música clássica principalmente devido à escassez de grandes produções do Theatro Municipal. No entanto, tive o privilégio de testemunhar alguns momentos maravilhosos nas salas de concerto da cidade, que ficarão na minha memória e registrados aqui.

O ano começou com um susto: o desmoronamento dos prédios adjacentes ao Theatro Municipal no Centro do Rio de Janeiro. Além da trágica perda de vidas e dos transtornos causados nos arredores, esse infeliz incidente levou o TMRJ a fechar suas portas para obras e limpeza emergenciais. Com isso, orquestras e solistas ficaram sem teto e tiveram que improvisar da melhor forma possível. Alguns adiaram o início da temporada, enquanto outros optaram por manterem seus compromissos em salas menos nobres.


A Orquestra Petrobras Sinfônica fez milagre no Vivo Rio, abrindo a sua temporada com a "Vida de Herói" do Richard Strauss e emendando em uma estréia mundial da ópera (em forma de concerto cênico) "Piedade" de João Guilherme Ripper. Dentre os concertos das séries principais da OPES, eu diria até que esses foram os mais marcantes da temporada, embora seja importante frisar que, por motivos de força maior, eu perdi tanto o concerto com o Antonio Meneses quanto o com Arnaldo Cohen (e soube que ambos foram maravilhosos). A série Mestre Athayde também trouxe lindas surpresas incluindo uma performance memorável do Concerto em ré maior para violino de Beethoven com Elissa Cassini no violino e Felipe Prazeres na regência e uma dobradinha Haydn-Bach com participação mais do que especial do maestro/solista Domenico Nordio. E não só de cordas vive a OPES que teve com o Grupo de Metais (regência de Antonio Augusto) um dos eventos musicais mais alto-astral da temporada em uma tarde que foi de Bach a Luiz Gonzaga passando por Vivaldi e Francisco Braga. Saldo do ano: meu amor e minha assinatura da OPES estão devidamente renovados!


A "orquestra revelação" do ano, OSB Ópera & Repertório, se destacou principalmente pela sua série lírica que veio preencher uma lacuna no repertório da cidade, apresentou títulos pouco encenados, revelou novos talentos e ainda trouxe solistas de renome internacional para os nossos palcos. Afirmo, sem medo de ser feliz, que a récita mais memorável do ano para esse conjunto foi a produção (em forma de concerto) da "Filha do Regimento" de Gaetano Donizetti com Nino Machaidze (Marie), Jacques Rocha (Tonio) e Leonardo Páscoa (Sulpice). A FOSB prometeu duas séries próprias da O&R para 2013. Estou no aguardo.


Os corpos do Theatro Municipal foram pouco exigidos esse ano devido à fraca temporada e ainda sofreram com a falta de condições adequadas de trabalho devido ao desabamento parcial do prédio anexo ao Theatro, onde eram realizados os ensaios, entre outras atividades de bastidores. Como se não bastasse, esse ano a casa completa 10 anos sem um concurso para renovar o seu quadro e segue preenchendo as vagas com contratos temporários. Em meio a poeira, crise e obras, no entanto, esse pessoal ainda consegue colocar de pé espetáculos que encantam o público e lotam a grande sala. Clássicos como Coppélia e Quebra-Nozes têm sucesso praticamente garantido e, por mais que os artistas reclamem da falta de originalidade, continuaremos fazendo fila para assisti-los. Para mim, contudo, as obras deste ano que ficarão na memória são Onegin (com a dupla dramática nota 1000: Márcia Jaqueline e Filipe Moreira), A Criação (o pas-de-deux mais lindo que eu já vi, assinado por Uwe Scholz) e o Requiem de Verdi (deu vontade de morrer!). Theatro Municipal é Theatro Municipal! Só espero que quem estiver na direção, por trás das cenas, no fosso e/ou no palco sempre se lembre da responsabilidade e da honra que é carregar essa coroa...


Mas vamos em frente, pois nem só de orquestras sinfônicas vive o Rio de Janeiro! Esse ano a cidade recebeu alguns convidados ilustres. Não pude assistir a todos (esses convidados costumam pesar no bolso) mas dois deles foram extremamente marcantes. Ouvir as notas saindo diretamente do violino do Itzhak Perlman para meus humildes ouvidos foi a realização de um sonho. Muito bem acompanhado pelo pianista  Rohan de Silva, o cara reúne talento, experiência, bom humor e um sensibilidade invejável. Saí da sala dando pulinhos de alegria e não tem melhor medidor de qualidade de um espetáculo do que a altura dos meus saltos. O outro astro que brilhou na minha recordação foi a bem-mais-jovem Hilary Hahn. Ela é linda, talentosa, simpática e inteligente, mas o que mais me impressionou foi o repertório recheado de seis (eu disse seis!) estréias mundiais. Grande presente!



E para dar mais um tempero nessa história toda, não podemos deixar de lado os festivais que trazem novidade, descontração e animação à cena erudita carioca. Nunca vou a todas as apresentações que eu gostaria (esse negócio de ter que trabalhar para ganhar a vida é um problema) mas dá pra aproveitar bastante. O Eternos Modernos marcou o primeiro trimestre e foi, além de um prazer sonoro, uma aula de história para quem pode acompanhar a programação toda. Troféu Diversão Garantida para a Banda Anacleto de Medeiros com destaque para o seu percussionista Oscar Bolão. Nunca tinha saído de um concerto rolando de rir, muito obrigada! Meu xodó entre os festivais continua sendo o Rio International Cello Encounter (RICE) e ele continua fazendo bonito. Esse ano, assisti à violinista Karolin Broosch tocando serrote, ao David Chew tocando Villa Lobos, ao Dave Haughey arrasando no folk, ao Trio UFRJ tocando Schumann e ao Tito Cartechini e seu bandoneón encantado. Durante a Semana Internacional de Música de Câmara do Rio de Janeiro, acabei me aproximando de São Paulo com o Quarteto OSESP tocando Beethoven no Jardim Botânico. Mas o festival dos festivais de 2012 foi o 50o Festival Villa-Lobos. Perdi a abertura com Hugo Pilger tocando o violoncelo do Villa, mas me deliciei com várias outras atrações incluindo o Quinteto Villa-Lobos, o Quarteto Radamés Gnattali, o Monarco e a Teresa Cristina homenageando o Paulinho da Viola e o encerramento com a OPES e Marcelo Caldi em homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga! Quero só ver o que esses produtores estão aprontando para 2013...


Até que o ano foi legal, com vários momentos emocionantes, tocantes, divertidos, descontraídos e relaxantes. Tudo que a gente espera da música boa. Mas sonhar não custa nada então segue a minha lista de desejos para 2013:

- Mais J.S. Bach, sempre! (Menção honrosa aqui para a Cia. Bachiana Brasileira. Assisti esse ano às cantatas 4, 5 e 6 com quarteto de cordas no CCJF que deixou o gostinho de quero mais na boca. Perdi o oratório completo mas tenho certeza que eles estão matutando algo bem inusitado para 2013...)
- Menos concertos encenados e mais óperas com produções completas (principalmente com orquestra e coro do TMRJ)
- Mais balé (esses dançarinos do Theatro não deveriam parar nunca! rssss).
- Mais semanas de música de câmara (temos muitos grupos muito bons e poucas oportunidades para eu ouví-los, quero mais Trio UFRJ, Quinteto Villa-Lobos, Quarteto Radamés Gnattali, Banda Anacleto de Medeiros, Quarteto Uirapuru, Duo Assad, Duo Santoro, Quarteto Rio de Janeiro, Quarteto Menezes, Quarteto Guanabara, Duo Veredas, Art Metal Quinteto).
- Mais junções de música de orquestra com música popular.
- Mais Verdi, menos Wagner nesse bicentenário (já sei que vou apanhar por causa desse aqui...).
- Pelo menos uma sinfonia de Beethoven (não dá pra ficar um ano inteiro sem!). 

Já deu pra notar que, se depender de mim, os músicos do Rio de Janeiro morrem de exaustão, né? 


Muito obrigada a todos que contribuíram para esses momentos maravilhosos e que venham muitos mais em 2013. Agora vou me preparar para dois meses de marasmo total da cena clássica carioca ouvindo rock, jazz, blues, choro e samba e espero todos de volta às salas de concerto em março. 

Feliz ano novo com muita música!



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Um plágio autorizado

Ontem, por aqui, escrevi sobre a situação dos corpos artísticos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Muito tem sido dito sobre o assunto nas redes sociais e, na última semana, na grande mídia. Um dos melhores textos sobre o assunto que eu li até agora é de autoria do respeitado violinista e professor Adonhiran Reis. Pedi autorização e ele permitiu que eu reproduzisse aqui a suas belas palavras:

A cultura no Rio do futuro?

Parafraseando Lula, "nunca antes na história deste país..." se falou tanto no futuro do Rio de Janeiro. 2014, 2016, as soluções de todos os nossos problemas estarão lá, nos discursos mil vezes repetidos pelos governantes. Toneladas de dinheiro investido, a cidade se transformou em um enorme canteiro de obras, perimetral, BRT, o Maracanã reformado pro PAN, reformado DE NOVO pra Copa, será que conseguem agendar uma terceira reforma entre a Copa e as Olimpíadas? O dinheiro público jorrando, passando feito um tsunami mudando a cara da cidade com suas pseudo-melhorias.

Mas e a Cultura? O caso do Theatro Municipal do Rio de Janeiro é um emblema do descaso das autoritárias autoridades para com o patrimônio cultural da cidade. Se somos capazes de sugerir a demolição de um museu e uma escola (Escola Municipal Friedrenreich, 10o lugar no Ideb nacional!) para dar lugar a um estacionamento, por que se preocupar com óperas? Ah, mas teremos a Copa! E daí? Parece-me que os Maias erraram na sua previsão de final do mundo. Ele não acaba em 2012, mas em 2016. Só se fala nestes eventos, se gasta mais do que deveria por esses eventos como se não houvesse um 2017, quando chegar a conta. O governo estadual pegou um empréstimo de 3,6 bilhões de reais com o Banco do Brasil a ser pago em 20 (VINTE!!) anos. A conta vai ser alta. E quem vai pagar? A construtora Delta?

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1909, sob influência da Belle Époque, em uma época de transformações no Rio de Janeiro (aí sim, verdadeiras transformações, não tapa-buracos). O prefeito Pereira Passos junto com Oswaldo Cruz abriram a cidade com suas grandes avenidas, incluindo a Avenida Central (atual Rio Branco), Avenida Maracanã, e outros marcos, como o Palácio Monroe. Os governantes de então não somente compreenderam a importância da cultura na construção de uma identidade nacional, assim como a ela deram destaque, incluindo neste novo Rio de Janeiro o Museu de Belas-Artes, o Theatro municipal, a Biblioteca Nacional e outros.

O Theatro foi palco dos maiores artistas de música de concerto do século XX, como Toscanini, Macagni, Rostropovitch, Bernstein, assim como artistas populares, Caetano, Roberto Carlos e outros. O Theatro possui uma situação que seria invejada por qualquer cidade do mundo, mas que aqui é vista com desdém: possui 3 corpos estáveis maravilhosos, celeiros de talentos, a saber sua orquestra, seu coro e seu ballet. Ou seja, o sonho de qualquer administrador, uma casa linda, e infinitas possibilidades de criação musical, tendo até cenários múltiplos, sem ter que se preocupar com folha de salário!

Porém o seu maior trunfo é visto como um peso pela atual administração. Tentaram sem sucesso transformar um século de acertos em uma OS, com uma justificativa fraca, sempre o velho discurso da "excelência e do nível internacional". Isso lembra alguma coisa? Nível internacional esse que o Theatro tinha no passado. Então vamos pegar esses corpos estáveis e entregar as moscas. Ou quase. 2 ou 3 míseras óperas por ano, um ballet (sempre os mesmos) e pronto. Está transformada a casa em uma casa de aluguel para eventos. Tipo uma boate.

"Ah, mas não temos dinheiro! Com a queda dos prédios da av. 13 de maio e cortes no orçamento não temos como montar uma programação melhor...". Humm... 3 corpos estáveis, solistas maravilhosos dentro deles, figurinos e cenários a disposição e não podemos montar óperas e ballets, além de concertos sinfônicos? O que falta? Imaginação??

Agora pedimos por um concurso. Os corpos estão desfalcados com falecimentos e aposentadorias (inevitável com concursos realizados a cada década). Ao invés de preencher as vagas, colocam músicos temporários, que são demitidos no final do ano e recontratados no ano seguinte. Qual é mesmo o termo que melhor define isto mesmo? Ah, lembrei, subemprego. Mas no jornal o Globo de 15/11/12 a presidente da Fundação Theatro Municipal (ou presidenta? sempre me perco com isto) enxerga uma solução para a falta de concurso: "a solução será a de sempre. Outras pessoas serão contratadas temporariamente". Bela solução.

Então Sr. Governador? O que estamos esperando para o concurso? É uma pena que neste "belo projeto" de Rio de futuro, se esqueçam do Rio que sempre existiu. No afã de reinventar a roda, saímos todos prejudicados. Sorte do Stevie Wonder que vai ganhar 7 milhões de reais pra realizar o show do reveillon na praia de Copacabana. "Nunca antes neste país" tivemos uma cultura tão pobre.





Parece que eu estou sempre aplaudindo esse cara!

A EBC responde

As redes sociais às vezes pregam peças na gente. Recentemente, recebi um aviso que a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) estava fazendo uma enquete entre o seu público-ouvinte perguntando se ela deveria continuar investindo em uma programação voltada para a música clássica. Assim como vários amantes da música de concerto, fiquei logo revoltada e ofendida. Como assim "SE deveria continuar investindo"??? É claro que sim! Como ousam eles duvidarem da importância desse espaço para minhas queridas sinfonias, sonatas, concertos e afins? 

Pois bem, lá fui eu para a ouvidoria da EBC e enviei a seguinte mensagem:

"Caros responsáveis,
Entro em contato pois soube através das redes sociais na internet que vocês estavam querendo manifestações do público em relação ao mérito da EBC manter uma programação de música clássica.

Como ouvinte assídua da Radio MEC e frequentadora das salas de concerto da cidade do Rio, chego a ficar ofendida com a pergunta. Qual seria o argumento contrário a manter a música erudita como parte da grade da Empresa? Alias, retorno questionando por que esse tipo de música não está representada nos programas com maior frequência?

Esse repertório possui um público fiel e apaixonado que sofre com a falta de acesso a gravações, vídeos, reportagens, documentários, filmes e rodas de discussão a respeito de um tema tão rico e variado. A EBC deveria enxergar a oportunidade que tem de preencher uma lacuna existente na cultura do público que está sempre em busca de novidades. Ao invés disso, está deixando essa chance escorregar por entre seus dedos e fazendo um desfavor à população empurrando a programação clássica para horários pouco nobres e insalubres da alta madrugada.

Qual seria o conteúdo a entrar nos horários que hoje são ocupados com a música clássica? Mais um programa de esportes? Mais uma entrevista com artistas da MPB? Mais um show de algum artista pop internacional? Como a EBC pretende se destacar no mercado da Comunicação se ela está dando indícios que vai se juntar à pasteurização e homogeneização cultural da grande mídia?

Manifesto-me, portanto, a favor dos clássicos e outras formas de expressão artísticas que não podem perder o pouco espaço que possuem pelo bem do público e da Cultura do Brasil.

Cordialmente,
Amanda C. de Andrade"

Eu tava meio nervosa na hora, mas pelo menos fui educada. Demorou um pouco e hoje recebi a resposta da gerência das rádios da EBC conforme reproduzo abaixo:


"Prezada Sra. Amanda Andrade, boa tarde.

A Gerência da Rádio, em resposta ao seu e-mail, informou o seguinte:

"A Gerência Regional das Rádios da EBC no Rio de Janeiro, pela qual respondo, e muito menos a coordenação da Rádio MEC FM, que se reporta a esta gerência, não se manifestou em momento algum e muito menos recebeu qualquer orientação de instâncias superiores da empresa no sentido de não se manter a música erudita como parte da grade da Empresa. Muito pelo contrário, esta gestão tem grande zêlo pela programação de música clássica da Rádio MEC FM, notória tradição da emissora.
Quanto à observação da ouvinte Amanda Andrade, com relação a solicitações referentes a "manifestações do público em relação ao mérito da EBC manter uma programação de música clássica", desconhecemos a iniciativa."

Aproveitamos para agradecer a participação e nos colocamos à disposição.

Atenciosamente,

Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação - EBC
http://www.ebc.com.br/"

Acho que eles não gostaram muito do meu tom, mas pelo menos a Rádio MEC FM parece que vai ficar do jeitinho que está (depois a gente manda outro e-mail para eles com recomendações de como poderiam melhorar hehehe). Enquanto isso, a gente aprende a investigar direito as denúncias do Facebook antes de sair gritando na ouvidoria :-p

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Uma ameaça à águia dourada

O mundo da música clássica no Rio de Janeiro tem algumas peculiaridades que eu jamais entenderei. A lista é enorme mas, nas últimas semanas, um assunto de grande preocupação surgiu nas redes sociais e já está "vazando" para a grande mídia: a temporada 2013 do Theatro Municipal está seriamente ameaçada! 

Para quem não está por dentro do assunto, eu explico: o Theatro Municipal do Rio de Janeiro tem três corpos artísticos estáveis compostos por funcionários públicos concursados: o corpo de baile, o coro e a orquestra sinfônica. O último concurso, segundo minhas fontes, ocorreu em 2002 e desde então muitos funcionários se aposentaram, faleceram, ou saíram do Theatro por outros motivos. Os buracos foram sendo preenchidos através de contratos temporários ou contratações esporádicas. Alguns desses prestadores de serviço já estão há quase 10 anos integrando os corpos artísticos, ajudando a criar a identidade da casa que encanta o público a cada récita. 

O problema é que muitos desses contratos temporários acabam agora no final do ano e não podem mais ser renovados, segundo a legislação vigente. A solução seria abrir logo o concurso para preencher as vagas ociosas. No entanto o processo está perdido na burocracia do Estado e até onde eu sei, sem nenhum perspectiva de ser divulgado oficialmente ainda esse ano. Sendo assim, simplesmente não haverá gente suficiente para encenar qualquer espetáculo no ano que vem e o Theatro passará pela maior vergonha dos seus 103 anos de idade. 

A solução oferecida pela presidente da Fundação que administra o Theatro, é contratar "outras" pessoas no lugar dessas que deverão deixar seus cargos em março. Colocando de lado a minha severa aversão por uma mentalidade que valoriza artistas tanto quanto peças de um relógio, que podem ser trocadas sem nenhum comprometimento ao funcionamento do sistema, não vejo essa saída como uma alternativa muito viável. Ou melhor, não seria viável para alguém preocupada com a qualidade dos espetáculos encenados. Afinal, quem souber de músicos, bailarinos e cantores no Rio (precisamos de cerca de 100) com experiência de palco e fosso, que saibam interpretar balé e ópera em um nível digno do mais belo teatro do Brasil, dando sopa por aí, por favor avise! 

Deixo aqui o meu manifesto a favor de um processo mais ágil para liberação desse concurso, vital para a cultura e arte da Cidade Maravilhosa. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Vive la France!

"A filha do regimento" de Gaetano Donizetti, apresentada ontem em forma de concerto pela OSB Ópera e Repertório no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, foi a sétima produção da Série Lírica da orquestra. Dessas sete, eu fui a cinco e afirmo com muita convicção que esta foi a melhor! É tanto elogio para distribuir que torço para que meus queridos leitores estejam com paciência...

A noite contou com inúmeras passagens marcantes desde as primeiras notas do belíssimo solo de trompa que introduz a obra até os últimos acordes do "grand final" que levou o público a uma ovação desenfreada. Assim como fez o maestro beijoqueiro Francesco Maria Colombo, também destacarei os solistas da orquestra. Josué Soares (trompa) não só abriu a noite com muita segurança, mas também foi solicitado em outros trechos da ópera, ora levando energia aos soldados do regimento, ora potencializando os lamentos da jovem Marie. Victor Astorga (oboé/corne inglês) foi responsável pela ária mais bonita e emocionante da noite, acompanhando a soprano (depois eu volto pra falar dela) na sua triste partida dos campos de batalha. Mateus Ceccato (violoncelo) não ficou atrás, lamentando a falta de esperança no destino de Marie forçada a se enfurnar na alta sociedade. O quarteto de cordas que abre o segundo ato, transformou o contexto da trama de campo de batalha para palácio aristocrático. Quem precisa de cenário quando se tem Mateus Ceccato (violoncelo), Déborah Cheyne (viola), Luzer Machtyngier (violino) e Michel Bessler (violino) descrevendo muito claramente o ambiente?

Eu poderia, na verdade, citar cada um dos integrantes da OSB Ópera e Repertório pelo nome. As cordas arrepiaram com um som coeso e maduro, acompanhando o clima do enredo. Os metais e a percussão trabalharam pacas nessa obra com temática militar e o fizeram com tanta classe que eu estou quase me alistando nas forças armadas! As madeiras definiram a personalidade de cada personagem trazendo especial doçura e leveza ao casal principal. Bravi! Bravi! Bravissimi!

Os programas de meia folha distribuído nos concertos dessa orquestra continuam me irritando pela falta de informação e desta vez ainda cometeram uma injustiça ao não destacarem o barítono Leonardo Páscoa dentre os solistas da noite. Além do papel de Sulpice ter bastante importância na trama, ele simplesmente arrasou com a sua presença de palco invejável e sua voz vigorosa.

O tenor Jacques Rocha é um fenômeno e tem tudo para crescer cada vez mais rápido. Além de possuir uma linda voz, ele é muito expressivo e cativa o público logo nas primeiras notas. Também tem uma boa dicção no francês, o que permitiu que eu focasse nele e não nas legendas, facilitando bastante a empatia. Eu testemunhei a sua estréia profissional no início do ano e o seu progresso em pouco tempo é impressionante. Além disso, é um prazer perceber os sorrisos e a vibração de alguns membros do coro ao ouvi-lo atingir aquelas notas mais agudas e mais difíceis sem titubear. Alias, um belíssimo trabalho do coro e seu diretor, cujo nome eu desconheço pois não consta no programa (grrrrrrr...)!

Agora, a grande estrela da noite, a filha da orquestra, linda, voz fantástica, encenação impecável, expressão facial enternecedora, me fez rir, chorar, arrepiar e me deixou boquiaberta: Nino Machaidze é uma soprano fabulosa de apenas 29 anos de idade, diretamente da Georgia para os palcos cariocas! Para aqueles ruins de geografia, a Georgia é um pequeno país espremido entre Russia, Armênia, Azerbaidjão e o Mar Negro. Vou ficar o resto do dia viajando na concatenação de eventos que foram necessários para que fosse possível o meu deleite de ontem à noite graças ao canto dessa diva. Bom feriado a todos!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Quatro vezes Villa


Lamentavelmente, não pude ir à estréia do Festival Villa-Lobos 2012 no dia 09 de novembro, com direito a Hugo Pilger tocando o violoncelo do próprio Heitor. Hoje, portanto, foi a minha estréia no Festival que vai até dia 25 com uma programação de cair o queixo. Para compensar meu atraso, parti logo para a overdose: Quinteto Villa-Lobos tocando obras do Heitor Villa-Lobos no Museu Villa-Lobos como parte da programação do Festival Villa-Lobos. Mas não deu pra cansar não. Alias, muito pelo contrário, quero mais!

O célebre quinteto, composto apenas de craques, se desmembrou em um trio (fagote, oboé e clarineta) e dois duos (flauta/clarineta e flauta/fagote), além de tocar na sua formação tradicional. A chuva lá fora tentou acompanhar o ritmo, mas ficou de língua de fora. Já eu, fiquei encantada com a riqueza do repertório e com o entrosamento do grupo em todas as peças. Durante o intervalo entre as obras, algumas falas sobre a música e o compositor deram um tempero a mais ao banquete. 

O trio abriu os trabalhos com um movimento realmente muito "animé". Em um trecho inicial, fiquei impressionada com a potência do fagote (Aloysio Fagerlande) que poderia muito bem substituir um tímpano com "batidas" bem marcadas. Em seguida, os instrumentos pareciam estar de picuinha uns com os outros, reproduzindo um "lero-lero" que brincadeira de criança. O último movimento já foi bem mais tenso, deixando a platéia na expectativa de que algo iria acontecer como se fosse um filme de suspense. 

Não sei se foi a tensão acumulada do trio mas, quando o fagote e a flauta (Rubem Schuenck) começaram a tocar a Ária-Choro das Bachianas no. 6, veio aquele arrepio lá da pontinha do dedo mindinho do pé até o último fio de cabelo empurrando algumas lágrimas para fora. Já o Choros no. 2 me deixou completamente sem fôlego só de tentar acompanhar mentalmente o que a flauta e a clarineta (Paulo Sérgio Santos) estavam falando. 

A "pièce de résistance", o Quinteto em Forma de Choros, não é uma peça fácil nem pros músicos e nem para o público. Já tinha escutado uma gravação (não lembro dos intérpretes) e não tinha gostado. Depois de hoje, fui obrigada a mudar de opinião (adoro quando isso acontece!). Oboé (Luis Carlos Justi) e clarineta, em especial, se destacaram enquanto a trompa (Phillip Doyle) arredondava e aveludava o conjunto. 

Nada de bis, mas o Festival continua e o quinteto ainda tem outras apresentações agendadas este mês. Pelo jeito, vai faltar espaço na minha agenda!

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Bonequinha de luxo

Enredo de balé só não é mais confuso que enredo de escola de samba! Coppélia é uma história sobre um jovem cujo coração está dividido entre duas moças, sem saber que uma delas é uma boneca. Ciúmes, intrigas, alquimia, falsidade ideológica e muito bom humor culminam no final feliz tradicional do balé clássico: o casamento. Ou seja, Power Rangers.

A montagem do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para essa famosa peça está bastante caprichada. O cenário é elegante e vistoso com especial destaque para o segundo ato, passado dentro da casa do artesão Coppelius, com direito a boneco em movimento pendurado no teto! Os figurinos são alegres e coloridos com bastante movimento e detalhes característicos de vestimentas polonesas ou húngaras. Só estranhei alguns vestidos do terceiro ato que destoaram do contexto da história, com cores fortes de azul e roxo e coroas brilhantes.

O casal principal da noite brilhou! Denis Vieira arrancou numerosos "oh"s, "ah"s e "nossa"s da platéia com saltos com grande impulsão, piruetas cravadas e poses dotadas da elegância de um primeiro bailarino do Theatro Municipal. Karina Dias, por sua vez, encarnou com muita expressão artística uma menina geniosa. Pequenas falhas polvilharam a sua performance mas seu charme, leveza e beleza de movimento não falharam em momento algum. Apesar da comprovada competência dos solistas, foram as cenas do corpo de baile dançando em conjunto que mais impressionaram. A carência de um pas-de-deux marcante na coreografia é suprida por inúmeras danças enérgicas com elementos folclóricos, ora no calcanhar das botas, ora na ponta das sapatilhas.

A música de Léo Delibes embala a divertida história. A valsa de apresentação da personagem Swanilda é, por si só, um deleite de fazer as cabecinhas do público dançarem junto com a bailarina. A Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal não estava nos seus melhores dias, mas cumpriu bem o seu papel. Apesar das profundezas do fosso, o som chegou ao balcão nobre com ótima intensidade de todos os naipes. Não saberia apontar o aspecto técnico que deixou a desejar, limitando-me a dizer que já ouvi um som mais bonito saindo desse grupo de artistas. Tampouco me emocionei com os solos de violino e viola que acompanham os pas-de-deux mornos no primeiro e terceiro atos, respectivamente. Destacaram-se com louvor, no entanto, as madeiras (com menção honrosa para a flauta) e a percussão. Já aprendi, contudo, que no Theatro Municipal, essas coisas dependem muito do lugar que se ocupa na grande sala e que cada setor tem um som à parte.

Finalizo esta nota ressaltando a importância desse tipo de espetáculo para a formação de platéia. Peças como Coppélia, devido ao seu humor e beleza cênica, conquistam o público desde a infância ajudando na criação de ouvintes de música clássica e frequentadores de balés, concertos, óperas, teatro e afins. O investimento nesse trabalho resulta no enriquecimento cultural do público e deveria ser uma prioridade para autoridades preocupadas com o setor artístico da cidade, do estado e do país. Os corpos artísticos do TMRJ estão sofrendo este ano com a falta de espaço (devido ao desmoronamento de edifícios justapostos ao theatro no início do ano), a falta de criatividade da diretoria artística no planejamento da temporada e a falta de investimento nos recursos humanos da coroa. Mesmo assim, é o trabalho deles que nos encanta e nos faz voltar para mais um bis.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Temporada 2012

Caros ouvintes,

A temporada de 2012 ainda não chegou ao fim. Transferi para cá todas as notas publicadas no Facebook até hoje. Como vocês podem ver, esse ano escrevi aproximadamente uma crônica por mês mas a minha frequência em concertos é no mínimo o dobro disso. Infelizmente não tenho tempo para escrever sobre todos e já tinha gente cansada de me ouvir elogiando a Petrobras Sinfônica então eu dei um tempo.

Amanhã será a penúltima récita do balé Coppelia e eu estarei no super nobre balcão do Theatro Municipal de olho no trabalho do corpo de baile do Theatro e da OSTM. Ambos vêm fazendo um ótimo trabalho na, infelizmente, curtíssima temporada 2012. Amanhã eu conto para vocês em primeiríssima mão!

Bom concerto a todos.

Um trompete ao pé do ouvido

20.IX.2012

A programação de música de câmara do Rio de Janeiro tem um componente muito interessante que é a variedade de locais onde os grupos musicais se apresentam. Nas minhas peregrinações musicais, passo semanalmente por lugares belos e/ou históricos como o Centro Cultural do Banco do Brasil, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Outeiro da Glória, o Espaço Tom Jobim no Jardim Botânico, o Parque das Ruínas entre muitos outros. As condições de acústica nem sempre são as mais adequadas, mas o passeio é sempre divertido. Nesta terça-feira, descobri uma nova pérola que é o Centro Cultural do Poder Judiciário no antigo Palácio da Justiça do Estado. Como não entendo nada de arquitetura, vou me limitar a dizer que o prédio é muito bonito, com vitrais variados e jardins internos frescos e agradáveis. O resto, vocês terão que ir lá ver por conta própria!

O que me levou a perambular pelas vias jurídicas do centro da cidade foi uma parceria entre a Escola de Música da UFRJ e o Poder Judiciário em um projeto de formação de plateia para música clássica. Plateia eu já sou, mas não ia perder a oportunidade de ver o Quinteto Art Metal de pertinho. E bota pertinho nisso! A sala com capacidade para cerca de 60 pessoas não tem palco e deixa o público tão perto do músico que dá pra ouvir os mínimos detalhes. Não que isso seja tão necessário quando se trata de dois trompetes, uma tuba, um trombone e uma trompa, claro! Acho até que uns três metros a mais de distância poderiam ser benéficos mas essa proximidade transforma a experiência completamente!

Eu já conhecia o repertório pouco convencional do quinteto graças à minha assiduidade nas suas apresentações mas pude reparar em detalhes que não havia percebido antes. Com a campana virada pra mim, a trompa se destacou e surgiram várias notas que outrora estavam encobertas pelos outros instrumentos. A força do trombone e da tuba foi magnificada mas o som, apesar de intenso, era macio mesmo com a pouca distância, o que eu achei surpreendente e encantador. Delicado não é um adjetivo muitas vezes associado a esses dois instrumentos, mas se aplica perfeitamente no caso do Art Metal. Nesse sentido, o desafio dos trompetes foi maior. Não deve ser mole tocar tentando se controlar para projetar pouco e ainda assim manter a beleza do som. Será que conseguiram? Basta perguntar para as pessoas que aplaudiram de pé o concerto e certamente voltarão a lotar esse espaço (assim como outras apresentações do quinteto se eles derem o endereço correto, hehehe...), tornando esse projeto de parceria um grande sucesso! 

A fila anda e a gente bate palmas

13.IX.2012


Quantas vezes a gente já não passou por essa cena? Uma mulher sofrendo por um grande amor perdido, se desespera, chora, grita e quer morrer. As pessoas ao seu redor tentam em vão animá-la. Os homens a bajulam sem efeito e as mulheres tentam consolar um coração empedrado. “A fila anda” dizem. “A vida é assim mesmo. Daqui a pouco você estará suspirando por outro, ou outros.” E não é que é verdade?

Richard Strauss na sua genialidade elevou essa situação corriqueira ao status de arte em Ariadne auf Naxos (claro que não foi o único, mas achei essa obra especialmente eloquente). Nesta última segunda-feira, a OSB Ópera e Repertório, sob a simpática batuta de Eugene Kohn, trouxe as dualidades e contrastes dessa ópera ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. E eu estava lá, na primeira fila!

A música é linda, intensa, dramática, sedutora e divertida alternadamente. Os músicos da orquestra formaram um grande grupo de solistas, cada um com voz própria (e que vozes!!!). Destacaram-se os spallas dos violinos e violoncelos, assim como a flauta, clarineta, oboé e as trompas. Além do festival de belos solos, a sonoridade do conjunto tava muito redonda e macia apoiando a trama que se desenrolava diante da orquestra.

A mise-en-scène dos cantores, mesmo sem cenário ou figurinos, foi bem-vinda. As cenas cômicas com Ignacio de Nonno, Ricardo Tuttman, Murilo Neves e Ivan Jorgenssen, além de musicalmente agradáveis foram divertidíssimas, realmente transportando a plateia pra dentro da história. Juliana Franco, enquanto interagia com eles convenceu como uma Zerbinetta um pouco contida, mas quando deixada a só no palco, perdeu a personagem, infelizmente. O mesmo não pode ser dito da Ariadne de Eliane Coelho. O seu canto e seu semblante deram asas à música de Strauss e me remeteram ao sofrimento intenso daquela mulher abandonada em uma ilha, aguardando o Senhor da morte. O Baco que veio salvá-la tinha a bela voz de Juremir Vieira, mas a dramaticidade de um ator de novela mexicana. (Ih! Me esqueci de falar nas ninfas. Acho que isso já diz tudo...).

Ilha, ninfas, mulheres apaixonadas, galãs, bruxas e barcos. O enredo dessa ópera é uma confusão danada. Também pudera, pois ela é o resultado da junção de duas óperas, dentro de uma terceira. Quem já não sabia disso, ficou sem saber porque o prólogo foi suprimido da produção e o pobre texto do programa não faz menção à origem da história. Eu não chamaria de “versão original de 1912” uma reprodução de apenas metade da obra, mas considerando que esse formato completo com peça, balé e ópera não foi sucesso nem na época da sua estreia, a opção mais curta para uma ópera em forma de concerto foi um acerto. Que venham os piratas!

Vontade de morte


27.VIII.2012

Que bom que réquiens já entraram para o repertório de salas de concertos, assim não preciso morrer nem matar ninguém para ouvir uma música tão bonita quanto essa escrita por Verdi. A interpretação da obra do compositor italiano pelo Coro e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, regidos por Leo Hussain, na última sexta-feira, foi estonteante. Já nas primeiras notas, o clima de descanso eterno foi criado misturando tristeza e leveza enquanto o coro murmurava o início da missa. Esse réquiem tava prometendo fortes emoções!

Quando o Dies irae chegou, a cólera divina tomou conta da grande sala. Anjos cantavam, a flauta se desesperou, bolas de fogo caiam dos céus, ventos uivavam e os tambores do julgamento rufavam com determinação. Um a um os trompetes anunciaram que o fim era apenas o começo. Quando tudo se acalmou, o baixo parecia olhar para o corpo na sua frente, que logo deveria erguer-se para enfrentar o julgador. Não tinha jeito, seu nome estava escrito no grande livro e não haveria escapatória. O fagote então liderou o pedido pela salvação da sua alma. A ele se juntaram os quatro solistas e o coro em uma súplica desesperada: “salva me!”

Se dependesse da soprano Eiko Senda e do tenor Marcello Vannucci, ficaríamos todos confutatis junto aos maledictis, mas a mezzo Adriana Clis e o baixo Hernan Iturralde, junto com o magnífico coro e a orquestra, garantiram o requiem. Antes do apagar das luzes, uma última lágrima escorreu pela minha face, ao som das violas e violoncelos lacrymosos.

Aos poucos, surge uma luz no meio dos violinos. Começa fraquinha e vai ganhando intensidade. Finalmente somos libertados com a lembrança que a luz continuará a brilhar mas que outros dias de cólera voltarão. Se eu fosse a morte, essa seria a trilha sonora que eu escolheria para embalar os meus dias.

Fim da temporada?


07.VIII.2012

O balé Onegin em cartaz no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com música de Tchaikovsky e coreografia de John Cranko, pode ser a última grande produção do ano então não percam!

A obra é baseada em um poema de Alexander Pushkin e conta o drama de um amor impossível entre uma mocinha do campo e um aristocrata metido. A primeira audição deve ter sido um escândalo na época, pois a mocinha tem sonhos eróticos e ainda por cima rejeita o cara de forma enfática no final (não contei nada que o programa já não fale)! Os aplausos entusiasmados ao final do espetáculo de domingo recompensaram uma linda e intensa performance do corpo de baile do TM, com Márcia Jaqueline e Filipe Moreira nos papeis principais. Também merecem destaque os bailarinos Karina Dias, Cícero Gomes e Moacir Emanoel que desempenharam seus papéis com grande competência técnica e dramática. Alias, dá gosto testemunhar tamanho investimento na interpretação dos personagens. Além de um belo cenário e figurinos caprichados, é isso que possibilita a suspensão da realidade que o público busca quando vai assitir a um balé ou uma ópera. O corpo de baile está de parabéns pela constante evolução e maturidade artística e deveria ser motivo de orgulho de todo cidadão do Estado do Rio de Janeiro.

Não podemos esquecer, no entanto, que a magia não vem apenas do palco. A música que subia do fosso para a plateia nesse final de semana não incluía as melodias mais conhecidas do grande compositor russo mas era ela que conduzia a história e a emoção. A sonoridade da OSTM conseguiu vencer as profundezas do fosso, criando o clima de festas, duelos, chamegos e rejeições. Alguns belos solos ainda pareciam ecoar as poéticas palavras de Pushkin, com menção honrosa para a flauta, a clarineta e a viola.

Depois de uma noite tão agradável, desfrutando de um programa cultural de alto nível, acho no mínimo lastimável que o Estado esteja cortando o orçamento do TMRJ e, consequentemente, encurtando uma temporada que já havia sido prejudicada pela queda do edifício vizinho no início do ano. No meio de uma Olimpíada, disputa eleitoral, greves de vários setores da sociedade, pode parecer futilidade reclamar do cancelamento de algumas óperas mas não é! Não existe substituto para o corpo artístico do TM no Estado do Rio de Janeiro! Essa instituição tem a função de levar cultura para a população e o tipo de produção que ela monta não tem similar por aqui (podem me corrigir se eu estiver errada). A suspensão dessas atividades do Theatro é um desperdício de dinheiro público e não uma economia uma vez que os funcionários ficam ociosos por ordem do governador (e depois ainda correm o risco de serem acusados de corpo mole)!

Alô Sergio Cabral! Cultura não é supérfluo! Cultura é identidade, bem-estar e qualidade de vida pois ela reflete o que o ser humano faz de mais bonito, nos dando forças para enfrentar o que ele faz de mais desprezível.

O resultado de um projeto de excelência?

17.VI.2012

Muita gente me pergunta que fim levou a história da OSB sobre a qual tanto falei ao longo do ano passado. Resumidamente, até onde eu sei, a maioria dos músicos que haviam sido demitidos foram readmitidos pela Fundação e formaram o grupo OSB Ópera e Repertório e estão tocando peças bem variadas que pedem uma orquestração menor. Os que permaneceram na orquestra e aqueles que chegaram a entrar na prova de 2011 (furando um boicote internacional, diga-se de passagem) atuam sob a batuta do maestro Roberto Minczuk na realização das séries "principais" da orquestra. Chamo-as aqui de "principais" pois são as séries que contam com as grandes atrações internacionais.

Neste final de semana, uma dessas atrações chamou a minha atenção: Stefan Dohr, primeiro trompista da Filarmônica de Berlim há quase 20 anos. Ele tocaria, ao lado de três colegas, o concerto para quatro trompas (opus 86) de Schumann que é uma das principais peças compostas para esse instrumento. Diante dessa oportunidade e de um simpático convite de companhia, resolvi encarar a OSB e uma maratona de 7 horas de Theatro Municipal (a Petrobras Sinfônica tocou com o Nelson Freire no mesmo dia e arrasou como de hábito, mas isso é assunto para outra nota).

Obviamente, eu estava um tanto apreensiva. Da última vez que compareci a um concerto dessa orquestra pós-crise, não fui exatamente bem recebida. Contudo, tentei sinceramente manter a cabeça aberta para uma avaliação pouco tendenciosa do trabalho desses músicos (para ser totalmente neutra, só se eu tivesse sangue de barata). Afinal, pouco se fala desses concertos e eu não tinha ideia do que esperar.

O Canto em memória de Benjamin Britten, de Arvo Pärt, abriu a noite (http://www.youtube.com/watch?v=sp2oxWdRMuk), mas o que deveria soar como um "om" meditativo ficou mais para um "bzzzz" inexpressivo. Faltou volume? Faltou intensidade? Faltou saudades de um mestre? Não sei. Mas faltou. Salvou-se o sino.

O concerto para quatro trompas impressionou pelos solistas (Stefan Dohr, Luiz Garcia, Thiago Ariel e David Griffin) que tocaram muito bem uma peça de altíssimo grau de dificuldade (segundo me disseram os trompistas que lotaram metade do balcão nobre). A criatividade do compositor para combinar, desencontrar, dialogar e torturar as trompas é inacreditável e uma novidade no repertório é sempre bem vinda. Quanto à grande atração internacional, confesso que não achei nada surpreendente. O cara tem uma destreza inquestionável, mas não correspondeu às minhas expectativas, que talvez tenham sido exageradamente elevadas. Acho que eu tava esperando uma trompa encantada e a sua reles humanidade me desapontou. Ou talvez os nossos trompistas por aqui, que me servem de referência, também sejam encantados...

Para encerrar a noite, a interminável sinfonia no. 7 de Bruckner caiu como um castigo. Pode até ser que, àquela altura, meu cérebro já estivesse saturado de notas musicais ou que meu cansaço já estivesse vencendo minha boa vontade com essa orquestra jovem (não era a OSBJ tocando, mas a OSB tá com cara e som de principiante). Além disso, uma violinista uma vez me disse que se a música não consegue me atingir, a culpa não é minha e sim de quem está sobre o palco. Pois essa sinfonia passou muito longe de mim e de muitos colegas de plateia que pareciam (e se declararam) aliviados com o seu término. Culpa do Bruckner, dos músicos, do maestro?

Por diversos motivos, a OSB não me traz mais o estímulo que busco numa sala de concertos. Alguns bons músicos polvilhados pelos naipes, grandes solistas ou maestros convidados não dão conta de compensar por falhas mais intrínsecas. O povo aplaude e um “maravilha” continua ecoando na grande sala, mas eu, Amanda, não volto mais.

Recriando o mundo no Rio de Janeiro

11.VI.2012

A água não parava de descer do céu cinza chumbo. Já chovia há cinco dias e nada indicava que São Pedro fecharia a torneira tão cedo. Seria mais um Grande Dilúvio? No Rio de Janeiro, as águas costumam tomar proporções bíblicas, porém a noite não estava para destruição e sim para A Criação.

Montar um balé que combina orquestra, coro e corpo de baile com o Theatro Municipal parcialmente interditado não deve ter sido fácil. Ouvi relatos de ensaios em situações precárias e espaços inadequados como corredores e salas de escritório. Encarar o Gênesis nessas condições não pode ter sido muito inspirador e eu estava curiosa em ver se isso seria sentido no resultado final.

Quando a cortina se abriu e revelou um palco sem cenário, fiquei tensa. Tudo bem que no Início, também não havia nada, mas a gente sempre espera um estímulo visual maior de uma produção que abre a temporada de uma casa tão importante. Para piorar, a orquestra não começou bem a introdução e o coro também falhou nas suas primeiras notas. No entanto, todas as partículas se reuniram de forma harmônica ainda no Primeiro Dia.

O cenário realmente ficou faltando. Essa moda de projetar imagens sobre uma tela branca já está começando a me irritar, porque ainda não vi esse recurso ser usado com bom gosto e competência por estas bandas. O que deveria aumentar a dinâmica da cena acaba parecendo uma apresentação de Powerpoint mal feita. As telas projetadas de Francesco Clemente até eram visualmente impactantes e trouxeram um belo colorido à produção, mas o mesmo efeito teria sido atingido com um cenário real nas mesmas tonalidades, já que a sucessão das imagens foi mal explorada.

O figurino dos bailarinos também era minimalista mas, nesse caso, achei que encaixou bem com o tema da obra e permitiu uma apreciação melhor da coreografia de Uwe Scholz. Alias, que coreografia fantástica! As cenas com o corpo de baile tinham movimento, vivacidade e energia enquanto os solos exploraram a multiplicidade do corpo humano e sua forma com delicadeza, força e intensidade. O primeiro pas-de-deux do balé foi uma das sequências de movimentos mais bonitas e criativas que eu já vi sobre um palco e o casamento do baile com o oratório de Joseph Haydn foi perfeito!

Dentro do fosso, após um deslize inicial, as coisas também tomaram forma e os solistas conseguiram vencer as profundezas abissais desse espaço e narrar com muita competência e expressividade o surgimento da luz, da água e da vida no universo. Enquanto o coro dava voz a todas as criaturas da Terra, tive a impressão que Haydn escutava a voz de Deus como ora uma flauta, ora um oboé. Se eu tivesse que escolher, nesta noite, ficaria com o oboé.

O retorno das atividades dos três corpos artísticos do TMRJ mereceu o belo Aleluia. O Amém eu só vou falar no dia que a OSMT sair do núcleo sólido do planeta e retornar à crosta terrestre e o som das sapatilhas não mais se sobrepuser ao som das cordas.

O santo metal e a ópera no jardim

07.V.2012

Final de semana com dobradinha de música clássica, para a nossa alegria!

Missão de sábado: Concerto em homenagem aos 400 anos da morte de Giovanni Gabrielli com o grupo de metais da Orquestra Petrobras Sinfônica na Igreja São Judas Tadeu.

Eu tava achando desnecessário apelar para o santo das causas impossíveis até dar uma olhada no programa: oito peças de seis compositores diferentes, cobrindo 400 anos de música em uma hora de apresentação usando “apenas” trompas, trompetes, trombones e uma tuba. Metaleiro é tudo meio doido mesmo...

Apesar do homenageado da tarde ter sido o Gabrielli, foi Vivaldi com seu concerto para dois trompetes que roubou a cena. Os solistas Nelson Oliveira e Vinícius Lugon dialogavam como velhos amigos que terminam as frases um do outro e o arranjo ficou tão delicado que eu até esqueci que não eram cordas acompanhando a conversa. Duzentos anos mais tarde, Gustav Mahler arrancou lágrimas da plateia com uma bela versão de Nun Will die Sonn’ so hell aufgeh’n que terminou com um melancólico trompete, pairando só sobre o eco da igreja.

Entre a abertura Bachiana e o encerramento superpop com Luiz Gonzaga, o concerto ainda teve mais uma surpresa: uma fantasia do Francisco Braga, baseada na ópera Lo Schiavo de Carlos Gomes, que não era executada há mais de cem anos! Alguns detalhes certamente se embolaram na reverberação do ambiente, mas a tarde deixou um gostinho de quero-mais-fantasias, de preferência com cores, máscaras, glitter e muitos metais!

Missão de domingo: A ópera “O rei pastor” de W.A. Mozart interpretada em forma de concerto pela OSB Ópera e Repertório no Espaço Tom Jobim.

Apesar de uma produção horrorosa, a orquestra e os solistas salvaram a estreia da série lírica. As duas sopranos Chiara Santoro e Marina Considera, interpretando Aminta e Elisa respectivamente, chamaram atenção tanto pela qualidade vocal quanto pela expressividade na interpretação das árias. Os dois tenores, Jacques Rocha e Ivan Jorgensen, também se saíram muito bem, deixando a tensa Laila Vazen aquém dos seus colegas de palco. Alias, a moça parecia nervosa do início ao final da apresentação, comprometendo bastante a sua performance e deixando-a com um ar de Luna Lovegood.

A orquestra, regida pelo experiente Henrique Morelenbaum, fez a sua parte com grande destreza, mas ficou em segundo plano. A abertura ficou com a sonoridade um pouco comprometida, mas isso não se repetiu ao longo do espetáculo e o conjunto pareceu muito bem entrosado. O spallaPablo de Leon ainda destacou-se no belo duo L´amero saro costante com a soprano Chiara Santoro.

Apesar da qualidade musical, se a direção artística dessa série não melhorar, ela terá sérios problemas. A supressão dos trechos de ligação entre uma ária e outra prejudicou bastante a unidade da obra. Além disso, os solistas se retiravam ao final de cada canção, quebrando o ritmo e tornando a dinâmica da noite muito cansativa. Nesse formato, tanto faria tocar uma única ópera ou árias desconexas de diversos compositores. O texto do programa, que deveria guiar o público, estava temerosamente mal escrito e exageradamente sucinto. Na tentativa de reparar o erro, o diretor Fernando Bicudo ainda subiu no palco no início de cada ato para ler (mal) a sinopse que ele baixou da Wikipedia (é sério!!!!) e imprimiu num papelzinho amassado que guardou no bolso. Era melhor não ter feito nada e se poupado o constrangimento. Pegou mal e revelou uma total falta de esmero com essa série, em forte contraste com o que foi demonstrado pelos músicos no palco. Espero que não se repita...

Um triângulo em quatro partes


22.IV.2012

Hoje é dia de estréia, bebê! Mais especificamente, a estréia mundial da ópera "Piedade" encomendada ao compositor João Guilherme Ripper pela Orquestra Petrobras Sinfônica. No libreto, um dos triângulos amorosos mais famosos da história do Brasil, que resultou na morte de Euclides da Cunha. No palco, uma coletânea dos melhores músicos de orquestra do Rio de Janeiro. Na platéia, músicos, produtores, compositores, maestros, diretores, escritores e assinantes, todos curiosos e ávidos por serem as primeiras testemunhas da obra.

A história foi contada em quatro cenas, cada uma precedida de versos projetados no palco ao som do eloquente violão de Paulo Pedrassoli. As palavras do próprio Euclides anunciavam a tragédia, mas teriam sido melhor aproveitadas se fossem faladas. Os três personagens transitando pelo palco tal como fantasmas pouco agregaram ao clima dessas introduções e poderiam ter sido suprimidos. Alias, a direção de cena surpreendeu negativamente, mas foi o único ponto do espetáculo que não correspondeu (ou mesmo superou) às expectativas.

Cena 1: Euclides (Homero Velho) relata à sua esposa suas experiências no sertão durante a guerra de Canudos. No telão, imagens do conflito eram projetadas, contribuindo para a ilustração do texto. As palavras e a música se uniram na composição do drama sertanejo com intensidade e paixão, também refletidas na performance do barítono. O entusiasmo de Euclides logo contrasta com a carência de Ana (Paula Almerares), abrindo alas para o desenrolar dos acontecimentos.

Cena 2: Ana e Dilermando iniciam seu romance. Apesar da ótima atuação de Marcos Paulo, que entre os solistas foi o que melhor encarnou seu personagem, a cena foi dominada pela soprano e marcada pela primeira bela ária da peça. A canção sobre a dor de um amor distante comoveu a platéia que aplaudiu calorosamente a sua interpretação e deve entrar para o rol de músicas que escutamos no "repeat" durante a fossa de um término de relacionamento.

Cena 3: Dilermando e Euclides se estranham. Foi a mais curta, porém a mais tensa, das quatro partes da obra. A fantástica interação entre os dois rivais foi caracterizada com a sobreposição das duas vozes de forma alternada resultando naquela maravilhosa confusão que só faz sentido em ópera. Neste ponto, contudo, eu já ignorava o telão que projetava imagens sem sentido de janelas, lenços e xícaras de chá transbordando. Se alguém captou a mensagem, por favor depois me explique...

Cena 4: O duelo e a morte de Euclides. A cena começa com uma canção de amor de Dilermando para Ana, acompanhada apenas pelo violão. Pareceu-me como um toque de bossa nova no meio da ópera: estranho porém lindinho. Depois disso, a orquestra tomou conta! Suspense, temor, ameaça, raiva, honra, justiça, defesa e morte tudo contado por cordas, sopros e percussão num arranjo mais interessante do que as partes cantadas. A ária final que lamenta a natureza humana, responsável por essas tragédias, não me agradou tanto pelo toque religioso (totalmente dispensável nesse caso) mas encerrou com uma bela melodia o tempestuoso conflito.

Acredito que veremos novas montagens dessa ópera no futuro. Enquanto isso, aguardo ansiosa o produto da sua gravação para poder reviver essa tarde dramática e compartilhar essa história.

A loira, o herói e o ornitorrinco

27.III.2012

Imagine a cena: você é um compositor e um trompetista bate na tua porta e te pede para escrever um concerto usando o trompete modificado que ele acabou de inventar. Ao contrário dos trompetes que você está habituado, que são bem limitados, esse instrumento tem uns buraquinhos a mais, cada um com uma válvula, abrindo um novo mundo de possibilidades de execução. Seus olhinhos brilham ao vislumbrar as novidades que irão surgir e você imediatamente começa a trabalhar. A empolgação te leva a experimentar e a testar os limites do brinquedinho novo, resultando numa peça que explora a força, a estabilidade, a delicadeza e a recém adquirida agilidade do metal. E como você foi aluno de W.A. Mozart, você coloca umas notinhas a mais, além do limite presumivelmente exequível, só pra dar um charme. Será que você poderia antecipar que 209 anos depois, uma linda jovem inglesa estaria do outro lado do mundo, tocando essa peça diante de uma orquestra e plateia de brasileiros?

A lei de ação e reação realmente cria situações únicas e maravilhosas. Eu já tinha escutado Alison Balsom tocar esse concerto do J.N. Hummel em gravações, mas ao vivo é outra história! Elegante e expressiva, a moça reage a cada nota emitida pela orquestra e as frases parecem sair do trompete com a maior naturalidade (e segundo testemunhas, acompanhadas de uma cachoeira). A solista impressionou o público com a sua habilidade e fôlego, principalmente no terceiro movimento que aparenta ser o duplo twist carpado dos solos de trompete.

Infelizmente, uma outra sequência de eventos, desencadeados sabe-se lá quando (posso ficar algumas horas aqui brincando mentalmente com as possibilidades), resultou no desabamento parcial do prédio anexo ao Theatro Municipal com desdobramentos que afetaram até as engenhocas do palco da grande sala. Consequentemente, o palco desse encontro foi o Vivo Rio, um espaço programado para outras modalidades de música (e em alguns casos a anti-música). Fiquei muito feliz da Orquestra Petrobras Sinfônica ter conseguido tocar sem microfones, recorrendo apenas a uns tapumes de madeira no fundo do palco. Contudo, ao contrário do que afirmou o maestro Isaac Karabitchevsky no início do espetáculo, a acústica não é boa. Apenas quebra um galho nesse momento de crise, enquanto o TM, a Sala Cecília Meireles e a Cidade das Artes permanecem fechados. Mas a nossa saga está apenas começando!

A grande batalha da noite foi encarada por uma orquestra inflada, cheia de cordas (do jeito que eu gosto) e muitas trompas: Ein Heldenleben (A vida de herói) de R. Strauss. Os poemas sinfônicos têm uma grande sacada que torna a sua apreciação, na minha opinião, muito mais agradável: eles têm uma narrativa muito clara! No caso dessa obra autobiográfica, o compositor vira um personagem dentro da história, contextualizada no tempo e no espaço pelo seu próprio estilo e narrada pelos músicos. Para que tudo dê certo, a história precisa ser boa e estar bem escrita, o narrador tem que saber contar e a plateia deve prestar atenção para não se perder.

O herói apresentado no domingo pela OPES é jovem, forte e cheio de vigor. Ele é leve e ágil, vagando pela vida, a princípio sem grandes tormentas ou preocupações. Mas seus inimigos não tardam a chegar. São numerosos e distintos entre si: enquanto alguns são apenas empecilhos facilmente dominados, outros representam desafios e ameaças mais graves (literalmente). Esses obstáculos desanimam o nosso herói e ele chega a perder as forças e a esperança, caindo em uma lúgubre melancolia. Eis que surge a sua musa, o seu amor, trazendo luz de volta para a sua vida. Mas a moça não é fácil não! Ela alterna de um humor doce, delicado e acolhedor para um temperamento ora brincalhão ora firme e determinado. É a ciclotimia feminina na sua essência (e muito bem retratada pelo solista Felipe Prazeres). Com a sua companheira ao seu lado, nosso herói enfrenta o campo de batalha! Há muitas baixas mas também muitas vitórias. Golpes, flechadas, bombas são atirados em todas as direções e o exercício é extenuante. No final, apesar das cicatrizes e feridas ainda abertas, nosso herói pode olhar para trás e sentir com orgulho que deixou um belo legado. Então, ele começa a deixar esse mundo. A sua história, os seus inimigos, as suas dores são largadas para trás enquanto a única coisa que segue com ele, a única que importa, é o amor.

Acho que depois de assistir a uma obra dessas, encarar os desafios do cotidiano fica um pouco mais fácil...

OBS: O ornitorrinco foi pegadinha. O texto ficou longo e eu precisava prender vocês até o final hehehe...



Com a bênção de Nossa Senhora

12.III.2012

A temporada de clássicos de 2012 finalmente começou oficialmente no Rio de Janeiro! Ou melhor, a temporada da Orquestra Petrobras Sinfônica. Com o Theatro Municipal ainda interditado devido ao desabamento do prédio ao lado e a OSB sem dar um pio de notícia sobre a sua programação para esse ano, só resta mesmo à OPES a dar o pontapé inicial. E pelo jeito, foi gol de placa!

A primeira apresentação oficial da temporada foi um cyber-concerto (onde fotos, filmagens e postagens em redes sociais são autorizadas e incentivadas) na superlotada Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Centro. Fiquei muito feliz em constatar que não era a única carioca sedenta por música orquestral após um jejum de três meses. Frequentadores assíduos dividiam bancos, corredores e o chão com novatos, todos atentos e encantados com a música de Bach.

A orquestra começou pequena para a Suíte no. 02 (BWV 1067), com destaque para a elegante flauta de Marcelo Bomfim (acompanhada pelas cordas de Felipe Prazeres, Márcio Sanchez, Ivan Zandonade, Marcelo Salles, Ricardo Cândido e Clara Albuquerque), mas cresceu para o resto do programa. Eu realmente estava morrendo de saudades de ver esse povo tocando junto.

O programa intitulado “Bach Eterno” ainda contou com mais uma suíte do próprio (no. 3, BWV 1068) e a queridinha da vez do Heitor Villa-Lobos: Bachiana no. 4 (Prelúdio). Só este ano, já assisti a esse prelúdio três vezes (as outras duas interpretadas pela Orquestra de cordas da OPES e pelo Duo Santoro, em janeiro e fevereiro respectivamente). Ele é lindo de morrer, mas agora chega, né? Mas quem pensa que o concerto ficou em Bach e Villa-Lobos não conhece o maestro Carlos Prazeres. Ele deu um jeito de encaixar um compositor contemporâneo estoniano (!!!) nesse meio, e não é que deu certo? A peça de Arvo Pärt chamada Collage über B-A-C-H é curtinha, em três movimentos. O primeiro e o terceiro são lindíssimos, mas o segundo é muito estranho. Não fosse pela introdução do maestro, não sei se eu teria “captado” a ideia... Mais um motivo para eu gostar da Série Mestre Athayde, é sempre bem informativa.

Que venham as próximas séries, as outras orquestras e os grupos de música de câmara! Para os amigos que queiram me acompanhar nos próximos eventos, segue minha programação até o final do mês de março (se alguém quiser colocar mais alguma apresentação na lista, fique à vontade):

Dia 13 – Quarteto Radamés Gnattali no CCBB
Dia 25 – OPES no Vivo Rio (Série Djanira)
Dia 27 – Orquestra de Solistas do Rio de Janeiro (OSRJ) no Centro Cultural Justiça Federal
Dia 31 – OPES (ainda não sei onde) (Série Mestre Athayde)

Três estrelinhas

15.III.2012

Após dias de silêncio, ele apareceu no baile. Era um ponto chic com a fina nata da sociedade deBelém desde Lauro Sodré até o Duque e Gaby. Quando ele entrou no salão, um grupo de Itapirutocava Corta Jaca e todos dançavam ao som da modernidade e da civilização. Minha esperança se limitava a um olhar, mas no meio de tanta gente atraente até isso me parecia uma hilaridade. Desanimada, saí pela porta lateral e comecei a percorrer a avenida.

- Você não pode ir embora antes do bolero.

Juntei a minha mão à sua palma estendida. Ao retornar para a festa, percebi que os seus olhos brilhavam tanto quanto o seu sorriso, como se fossem três estrelinhas iluminando a minha alma.

Nota da autora: Texto inspirado no repertório da Banda Anacleto de Medeiros, apresentado no CCBB no dia 10 de janeiro de 2012. Não peguei emprestado apenas os títulos, mas também o brilho desses músicos maravilhosos que me colocaram para dançar (mesmo que contida na cadeira) ao som de eternos modernos da música brasileira.

domingo, 4 de novembro de 2012

Temporada 2011

Caro ouvinte,

As 22 postagens de hoje são reproduções de notas anteriormente publicadas apenas no meu perfil do Facebook. Todas se referem a eventos e apresentações da temporada 2011 de música clássica no Rio de Janeiro. Não tenho a pretensão de cobrir toda a cena musical carioca e portanto certamente estão faltando alguns espetáculos importantes daquele ano. No entanto, deixo aqui minha impressões sobre concertos das principais orquestras da cidade, incluindo a Orquestra Petrobras Sinfônica e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, assim como alguns grupos de câmara, como o Trio UFRJ e o Quinteto Art Metal. 2011 ainda foi o ano da crise da OSB e vocês encontrarão alguns comentários a respeito também.

Em breve atualizarei o blog com os comentários sobre a temporada 2012. Me aguardem!

As sete portas da opera

11.XII.2011 Silêncio. Escuridão. Sete portas. Uma cabeça flutuante anuncia o início do espetáculo. Explica para os desavisados que o que estão prestes a assistir é uma história simbólica, um drama psicológico. Se a cabeça permitir, eu farei minha própria interpretação. Quem gostar que aplauda no final... Um conto de fadas se esconde atrás da primeira porta, no imaginário infantil da nossa memória. Um homem poderoso e severo, de barba azul, e sua jovem e curiosa esposa. Ela não deveria abrir a porta. Por que não deixa seu marido guardar seus segredos? Teria ela um outro fim se não fosse tão insistente ou estava seu destino selado ao pisar naquele castelo? Em busca de respostas, procuro a chave do segundo portal. Escuto o murmúrio de violoncelos e contrabaixos. Um sopro amadeirado trás um mau presságio. Permaneço hipnotizada por um fantasma do século passado que parece falar na língua errada, mas pouco importa. A música que sai do calabouço do castelo me deixa amedrontada, assustada e ansiosa. Uma grandiosidade indefinida cede lugar a uma melancolia profunda antes do ciclo se fechar como seria inevitável. Assim como a morte segue a vida e a noite retorna ao fim de cada dia, os murmúrios voltam até serem calados pelo tímpano. A terceira porta se abre liberando um forte feixe de luz. Duas siluetas surgem como se fossem dois fantasmas se aproximando. Após o primeiro impacto, a grande expectativa é ligeiramente frustrada. Ele deveria ser imponente, seguro e misterioso, mas lhe falta volume de barba e voz. Ela deveria ser jovem, intensa e encantadora. A voz lhe sobra, mas falta feitiço. A quarta porta me suga para dentro do meu antigo Atari. Vejo armas, objetos de tortura, jardins, mapas e cadáveres compostos de poucos pixels projetados diante dos meus olhos como se fossem hologramas da década de 1980. A rampa do castelo transforma-se em sete espelhos. Ao refletirem o conteúdo de uma alma atormentada, cada espelho custa uma vida até que... "game over". Retornando ao espaço tridimensional, abro a porta de um gigantesco armário. De onde poderiam sair lindos vestidos, acessórios e figurinos, escapou a criatividade. O armário está vazio. Apenas um vestido e um terno estão pendurados como dois corpos na forca. O primeiro está com a bainha muito longa e o segundo alocou-se no conto errado. Sem estilo, sem personalidade, sem história para contar. Prefiro manter essa porta fechada para evitar a decepção. Atrás da sexta e penúltima porta, esconde-se um mistério, uma contradição em movimentos. É um caos cinético e transdimensional onde nada parece fazer muito sentido. Estarei num hospício ou seria eu a louca por esperar nexo entre palavra e ação? Uma mulher busca incansavelmente uma chave que não existe, sente o peso de um manto invisível e a maldição de uma coroa que não está. Ela e seu marido sobem e descem uma rampa, em um balé neurótico e confuso ora sem expressão ora com uma dramaticidade incabida. Busco a fechadura para sair desse ambiente, mas ela tampouco existe. A única forma de escapar é fechar os olhos e seguir o caminho das notas de volta para aquele escuro e úmido castelo. Só resta uma porta fechada, a mais difícil de abrir. Ela protege os meus segredos. Ao abri-la, sou obrigada a expor o que eu guardo nas profundezas da minha alma. Tudo parece se refletir naqueles sete grandes espelhos no centro do palco e ecoar junto com a música pelas paredes da grande sala. Me sinto vulnerável, provocada e incomodada. Estarão as minhas vastas terras também cobertas de sangue? Qual será o volume do meu lago de lágrimas? Quantas memórias já coroei? Os aplausos cerram as demais portas. A sétima permanece aberta. Acho que deixei cair a chave...

Um dia de maratonista

28.XI.2011 Km 1 - Acordar às 8:30 num domingo de chuva, tomar banho e colocar um salto alto. Km 5 - Barra - Centro Km 9 - Festival BNDES de piano no Teatro Municipal com recital do Daniil Trifonov, que é a prova viva de que existe vida alienígena na Terra, pois humano nenhum seria capaz de tocar dessa forma. E o cara não é simplesmente bom (bom não, fantástico), ele ainda é expressivo e simpático! Km 13 - Choro no. 1 do dia: bis do Trifonov com uma valsa de Chopin que eu escuto desde meus cinco anos de idade. Voltei no tempo e vi aquela garotinha de tutu rosa, fazendo piruetas ao som do piano, acelerando cada vez mais até cair de tonta e ofegante, rindo a toa no chão da sala. Magia pura! Km 18 - Lançamento do novo livro da dupla João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros: "Guiomar Novaes do Brasil". O livro é lindo, de capa dura, com várias fotos e réplicas de documentos importantes da carreira da pianista e com aquele cheirinho de livro novo recém saído da gráfica. Hummmmmmm... Ainda ganhei dois simpáticos autógrafos, abraços e beijinhos dos autores! A julgar pela biografia do Antonio Meneses, também escrita pela dupla, esse livro (que ainda por cima é bilíngue) tem tudo para ser um delicioso relato da vida desta importante artista brasileira. Km 22 - Almoço no Nova Capela com direito ao segundo melhor bolinho de bacalhau do Rio de Janeiro (o primeiro lugar, na minha modesta opinião, ainda é o charutinho do Flor de Coimbra) e o melhor cabrito assado do mundo!!! Baterias recarregadas para a próxima etapa (ainda bem que não era uma maratona de verdade porque eu teria saído rolando). Km 28 - Palestra sobre a ópera "Amor de três laranjas" com o maestro Silvio Viegas. Alias, palestra é um termo muito formal. Ele mais contou histórias: (1) História da vida do compositor Sergei Prokofiev, (2) o conto original de "amor por três laranjas", (3) a história do libreto que é uma loucura. Assistir à palestra me poupou o trabalho de ter que estudar a obra sozinha. Foi muito mais divertido assim e muito mais eficiente. Entrei na grande sala já com alguma ideia do que esperar e confesso que estava ansiosa e um pouco desconfiada se ia ou não dar certo... Km 33 - Ópera "Amor de três laranjas" e encerramento da temporada da Orquestra Petrobras Sinfônica no Teatro Municipal (again...) com regência do Isaac Karabtchevsky (um dia vou conseguir escrever esse nome sem precisar checar a grafia no Google). Orquestra grandona, som maravilhoso, adereços eficazes, figurinos coloridos, bruxas, magos, demônios, reis, príncipes, princesas encantadas, feitiços, duelos e um final feliz. Bravo! A música criou o clima, comandou a ação, intensificou as emoções e resultou no fascínio da plateia pelos personagens e pela trama que se desenrolava naquele pequeno trecho do palco. Troféu-personagem para a cozinheira barítona que me deu medo e me fez rir em um espaço de tempo de 3 minutos. Foi uma forma original e ousada de terminar o ano (calou a minha boca pois eu estava justamente comentando que preferiria uma sinfonia do Beethoven... tolinha eu...) e nada mais condizente com a OPES 2011. A palavra chave desta temporada, na minha opinião, foi versatilidade! Adorei passar o ano com essa orquestra maravilhosa que soube me reconquistar a cada espetáculo, sem cair na rotina. Desta forma, teremos um longo casamento... Agradeço a dedicação desses profissionais que me proporcionaram tantas alegrias nesses meses todos. Obrigada, bom descanso e voltem logo! Estaremos juntos novamente em 2012 (liberem logo a programação porque eu já estou oficialmente sofrendo de abstinência). Km 38 - Concerto de encerramento do 49o Festival Villa Lobos no Jardim Botânico com o quinteto Art Metal e Guinga. Que combinação! O clima não poderia estar melhor: piadinhas, troca de gentilezas e uma sonoridade de dar gosto! Eu não poderia ter escolhido um final mais feliz para um dia tão especial. Km 40 - Choro no. 2 do dia: Eu já sabia que o Art Metal tocava um senhor Villa-Lobos, mas a versão deles para o prelúdio da Bachiana no. 4 foi uma covardia com meu pobre coração que não estava esperando essa carga de emoção. Antes mesmo da primeira nota meus olhos já estavam se enchendo de água e os momentos que se seguiram foram a mais pura catarse, daquelas que nos desestruturam completamente para que a gente possa se renovar e se reerguer com mais força e energia. Bem, as obras começam amanhã porque o choque foi forte e eu ainda estou em escombros. Km 42 - Linha de chegada. Amigos, vinhos e chocolates. Medalha de ouro para o domingo e o prêmio é ter a segunda-feira de folga. Acho que passarei o dia em silêncio...

Metaleiros atormentados

15.XI.2011 Lamento frustrar os amigos roqueiros, mas essa nota é sobre outro tipo de metal... No último domingo fui assistir à apresentação do Art Metal Quinteto que me proporcionou numerosas experiências inéditas: 1. Um concerto de música realizado no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) é no mínimo curioso. No entanto, o espaço é bonito, bem mantido, confortável e muito funcional para esse tipo de evento. Os alunos do INES ainda foram inseridos na programação do 49o Festival Villa-Lobos, que contou com uma palestra sobre a história da música brasileira com a presença de intérpretes para a língua de sinais. Soube que os intérpretes criaram sinais específicos para codificar cada um dos nossos compositores e achei o máximo o Villa-Lobos ser caracterizado pelo seu charuto. Não percebi a presença de nenhum surdo no concerto, que só de estar dentro desse contexto, já levantou diversos questionamentos: a música pode ser apreciada por deficientes auditivos? Que tipo de adaptação pode ser feita para incentivar esses cidadãos a participarem de eventos musicais? Educação musical para surdos tem fundamento e/ou faz sentido? É possível traduzir a música para a LIBRAS? Não sei a resposta para nenhuma dessas perguntas, mas creio que vale a pena refletir sobre o assunto. Ao lembrar que a nona sinfonia de Beethoven foi composta por um surdo, começo a vislumbrar o desperdício de potenciais talentos por puro preconceito...
2. Um quinteto de metais foi novidade no meu repertório de ouvinte. Minhas experiências anteriores com grupos semelhantes se limitavam a brass bands americanas e africanas (por sinal, muito boas!), mas sempre com outros elementos como madeiras e percussão. Além disso, o repertório me surpreendeu pela versatilidade. Acostumada a associar os metais a força, grandiosidade e potência, encantei-me com as possibilidades de ritmo, delicadeza e maciez que eles proporcionam. É claro que ter músicos desse calibre ajuda pacas!
3. Descobri que uma marcha pode ser delicada e requintada! Adoraria ouvir a Marcha Militar no. 3 de Neukmomm ou a Marcha Marques de Pombal de Henrique Alves de Mesquita sendo executadas numa parada de 7 de setembro! Daria um outro tempero à coisa...
4. Guerra-Peixe também serve para dançar!
5. É possível sim tocar as Bachianas Brasileiras no. 8 com apenas dois trompetes, uma trompa, um trombone e uma tuba contanto que o Eliezer Rodrigues esteja tocando tuba. O homem vale por pelo menos três naipes, incluindo toda a percussão! Chega a ser surreal! Seu solo do terceiro movimento de Metalessência (Raul do Valle) fez tremer a fundação do auditório e calou todo e qualquer ruído num passe de mágica. E já que eu falei de Metalessência, vale destacar o maravilhoso segundo movimento dessa obra contemporânea. Antonio Augusto (trompa) só faltou levantar voo em uma demonstração de profunda satisfação e encanto.
Um ponto importante de concertos em festivais é o contato direto do artista com o público. Neste quesito, o quinteto também está muito bem servido. Todas as peças foram contextualizadas de forma informativa, simpática e agradável. Não só isso, sorrisos, olhares e posturas corporais ajudaram a transmitir as notas das reviravoltas dos instrumentos para as reviravoltas dos nossos labirintos, atormentando o cérebro nesta doce ilusão que é a música.

Uma noite allegra com brio

13.XI.2011 A trompa soou sozinha, acima de todos, chamando um despertar. O piano, as madeiras e as cordas a seguiriam, rodopiando em torno daquela sequencia de notas que marca o primeiro movimento do Concerto para piano no. 2 de Brahms. Os olhos do mago Karabitchevsky estavam mais fundos do que de hábito e pareciam querer comandar as mãos do solista Ricardo Castro sobre as teclas, hipnotizando-as em um truque Jedi.
A força dos dois primeiros movimentos pesou sobre o meu peito, pregando-me na cadeira em total estupefação. A subsequente intensidade dramática do andante, que se inicia com um solo de violoncelo, me provocou tamanho espanto que fiquei literalmente boquiaberta durante alguns minutos. Até agora não tenho plena noção da sucessão de sensações que percorreram meu corpo. Lembro apenas de sentir meu rosto reagir ao estímulo que atingia diretamente o meu sistema nervoso central. O Allegretto chegou para aliviar esse estado de paralisia, sem deixar de lado a intensidade de um grande romântico. A minha vontade era de aplaudir loucamente ao final de cada movimento. Para coroar a primeira parte do programa, Ricardo Castro ainda trouxe um belo luar para dentro da grande sala, envolvendo a plateia e a orquestra em um manto negro e aveludado.
Não se dando por satisfeita, a orquestra voltou do intervalo para uma eletrizante e inesquecível performance da Sinfonia no. 8 de Dvorak. Escutando essa obra ao vivo pela segunda vez em pouco mais de um mês (a outra foi na EMUFRJ), fiquei impressionada como as mesmas notas adquirem outra personalidade quando interpretadas por diferentes maestros e músicos. Na versão da OPES, fiquem maravilhada com a vibração das cordas no primeiro movimento e a leveza das madeiras (oboé e flauta principalmente) no segundo. No Allegretto grazioso (descobri que AMO esse andamento), fui levada pela cintura a bailar graciosamente por um lindo salão imaginário no melhor estilo Fred Astaire e Ginger Rogers de ser. Os metais anunciaram o último movimento como se fosse um presságio da energia que estava por vir. A atividade frenética de todos os naipes nesta obra é exaustiva para um pobre cérebro que tenta desesperadamente interpretar aquele excesso de informação sonora. Ainda bem que entre um rompante e outro, Dvorak coloca alguns momentos de calmaria para a gente se recuperar.
Com essa noite encantadora, encerrou-se com chave de ouro a série Djanira da temporada 2011 da Orquestra Petrobras Sinfônica e só falta mais um concerto para os músicos entrarem de férias... E agora José?

A multiplicidade de uma única flauta

10.XI.2011
O que a maioria dos cariocas faria num dia de folga em plena quinta-feira de sol no Rio de Janeiro? Praia, claro. Pois para mim, folga durante a semana é dia de Música no Museu (é vício, fazer o que?). O Festival Internacional de Sopros é sempre uma boa pedida, mas a apresentação de hoje estava cheia de bônus. Bônus 1: O Real Gabinete Português de Leitura é uma lugar mágico. Eu já tinha visto na TV, em revista, no jornal, mas nada poderia ter me preparado para o impacto que foi entrar na sala da biblioteca. Livros, livros e mais livros, um lustre de vampiro, colunas retorcidas, mesas de madeira maciça, veludos, claraboia. Eu penetrei um portal de tempo-espaço e fui transportada para uma dimensão paralela, muito mais charmosa do que os arredores da Uruguaiana do século XXI. Eternos agradecimentos aos patrícios pelo presente! Bônus 2: Primeira audição mundial de uma obra do Ernani Aguiar (Improviso e choro sobre um motivo Koellreuter). Eu que não entendo absolutamente nada de composição, mas que tenho escutado várias obras do referido autor, acho ele o máximo! A sua música tem ritmo, leveza, humor, delicadeza e força, tudo ao mesmo tempo ou sucessivamente, dependendo da obra. Nesse caso, o ritmo certamente se destacou, principalmente no segundo trecho. Haja fôlego pra tocar isso na flauta! Bônus 3: Concerto didático! Tem artista que sobe no palco, toca, agradece os aplausos e vai embora. Se tocar bem, nada contra. Mas sou partidária da ideia que o público aprecia muito melhor uma obra quando tem um pouco mais de informação sobre ela. Não é todo mundo que consegue ser um bom músico e um bom locutor, mas o Eduardo Monteiro parece dominar ambas as artes. Os curtos discursos antecedendo cada obra chamaram atenção para o contexto histórico da composição, o estilo musical, a característica pessoal do compositor, um traço particular da obra ou até um causo por trás da música. Tudo isso com direito a piadas e exemplos. Destaco também o encadeamento do programa: pai e filho, mestre e pupilo, uma obra referenciando a outra... É muito mimo! Para ser sincera, eu não estava segura que iria gostar de um concerto de flauta solo. Nunca tinha ido a nenhum (depois fiquei sabendo que realmente não são muito comuns) e tava com a impressão que pudesse ser um pouco monótono. Afinal, normalmente a gente vê a flauta acompanhada de cravo, harpa, piano, cordas etc... Acontece que a flauta pode ter várias vozes e elas dialogam, concordam, brigam, cantam juntas, choram, consolam ou namoram. Tudo depende da criatividade do compositor e da qualidade do intérprete. A flauta do Eduardo Monteiro mostrou hoje suas múltiplas personalidades abrangendo de uma bateria de roda de samba ao som mais triste emitido por um junco encantado. Bravo!