Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Os meus melhores de 2013

Apesar da correria de fim de ano, resolvi entrar na onda das retrospectivas. Como o blog ficou quase abandonado durante o segundo semestre, nada mais justo do que tomar o tempo e ceder espaço para dar o reconhecimento àqueles que me encantaram ao longo do ano.


A Orquestra Petrobras Sinfônica trabalhou pacas esse ano! Além das duas séries nobres no Theatro Municipal, ela ainda produziu vários concertos gratuitos na série Mestre Athayde, estreou espaços novos na Barra da Tijuca e também apresentou seus alunos da Academia Juvenil. Dentre todas essas apresentações, o grande concerto do ano da OPES para mim ocorreu no dia 09 de novembro com a participação de Mischa Maisky tocando Shostakovich seguido da Sagração da Primavera de Igor Stravinsky. Também merecem menção honrosa o concerto do dia dos músicos (22 de novembro) com atuação inspirada da Cristina Braga na harpa, o concerto para violino e oboé de Bach com os irmãos Prazeres (Felipe e Carlos) como solistas e a Sinfonia no. 7 de Beethoven na Cidade das Artes.  Ano que vem tem mais e como fui uma boa menina, já ganhei do Papai Noel as assinaturas de 2014.
Continuo não assistindo aos concertos da OSB porque o regente titular me irrita profundamente. Esse ano, contudo, abri uma exceção para não perder a passagem do Antonio Menezes pela cidade tocando Elgar. Valeu a pena, o concerto foi ótimo e ainda ganhei um Bach de brinde no bis que me fez chorar feito criança. Quanto à OSB Ópera e Repertório, não consegui acompanhar tanto quanto eu gostaria mas mesmo sendo um pouco menos assídua, destaco alguns concertos realmente memoráveis incluindo o concerto duplo de Bach com Priscila Rato e Marco Catto nos violinos solos (membros da própria orquestra), o réquiem de Mozart no Teatro Bradesco e o “Sonho de uma noite de verão” do Benjamin Britten.
Na Escola de Música da UFRJ, a ORSEM anda colocando as manguinhas de fora e recomendo, a quem interessar possa, ficar de olho nesse grupo que reúne ótimos profissionais em umas das melhores instituições de ensino de música do país (eu sou filha da Minerva então morro de orgulho). O concerto para violino do Tchaikovsky, com solo de Priscila Rato (olha ela aí de novo!) foi definitivamente um dos pontos altos do repertório deste ano.
A principal orquestra de ópera e balé da cidade, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, teve um ano bem movimentado fora do palco e conseguiu tirar do papel o concurso público para completar as suas estantes. A gente fica na torcida para que isso permita que os corpos artísticos trabalhem com mais tranquilidade em 2014 e que o repertório reflita a competência desses artistas. Porém, mesmo temporadas fracas têm suas pérolas. Fiquei emocionada de assistir o “Encouraçado Potemkin” na telona com a trilha ao vivo. Descobri que esse era um dos filmes prediletos do meu avô e o impacto da cena da escadaria foi indescritível. Mas foi o “Carmina Burana”, reunindo talentos da orquestra, do coro e do balé, que mais me agradou este ano. A composição é maravilhosa, a execução foi emocionante e a coreografia irretocável. Quero mais disso em 2014!
Ainda nas orquestras, algumas estrangeiras estiveram por aqui, confirmando por que são consideradas as melhores do mundo. Concertgebouw, eu te amo! Volte logo! Volte sempre! Agora, o melhor presente de todos quem deu foi a Orquestra Filarmônica de Israel. Ela já é aquele arraso, Zubin Mehta com toda a sua elegância empunhando a batuta, eu com sorriso de orelha a orelha e aí, quem é que sobe no palco sem anúncio prévio? Pinchas Zuckerman! Quase morri de emoção! Ai ai... Choro só de lembrar.
Mas quem foi que disse que só de orquestras vive a música erudita? Alguns dos melhores concertos do ano foram de música de câmara incluindo, é claro, o Quarteto Borodin e o violinista Joshua Bell que tocou ao lado do pianista Alessio Bax uma sonata Kreutzer cujo adjetivo correto ainda não foi inventado. Dentre nossos grupos tupiniquins, vou continuar de chefe de torcida dos meus favoritos de sempre. O Quarteto A Priori teve uma estreia iluminada e já tá dando o que falar. Deixo aqui registrado que foi o Andante cantabile mais tocante que eu já ouvi e olha que essa peça não é pouco tocada! Elevando padrões, é assim que a gente gosta! Já o Art Metal Quinteto resolveu fazer história, literalmente. Em um esforço único de resgate cultural, adaptação de partitura e execução impecável, esse grupo trouxe de volta à vida a obra de Henrique Alves de Mesquita, um importante compositor do Brasil Império (quem quiser ouvir, já tem o CD). Ano que vem parece que sai a biografia do moço. Estou no aguardo da minha cópia autografada!  Outro CD “Bem Brasileiro” lançado esse ano foi o do Duo Santoro. Esse eu não assisti ao vivo ainda, mas tive o prazer de receber um exemplar direto na minha casa e a gravação está deliciosa e aconchegante. E para não perder o hábito, o Trio UFRJ novamente se destacou em um concerto onde ele virou um quarteto com a viola encantada de Dhyan Toffolo. Se puder achar mais repertório para essa formação, eu apoio!

Como podem ver, 2013 foi um ano bastante produtivo, emocionante e até surpreendente no mundo dos clássicos.  Agora é o momento de ano que os músicos entram de férias e eu em depressão. Um ótimo início de ano para todos e até breve em uma sala de concertos pela Cidade Maravilhosa. 


domingo, 1 de dezembro de 2013

Estreia com Beethoven

Desde maio não escrevo nada sobre música. Acabo de me dar conta que a minha proposta de "retrocríticas" foi por água abaixo já que deixei acumular cerca de 30 textos referentes aos concertos, óperas, balés, recitais e afins aos quais assisti este ano. Se a memória permitir, prometo postar uma retrospectiva geral em breve, mas hoje o assunto é outro: minha estreia na Cidade das Artes (como ouvinte, é claro).

A manhã chuvosa de domingo não inspirava muita energia, mas Beethoven é sempre um bom motivo para levantar da cama. A Orquestra Petrobras Sinfônica tocaria a 7a sinfonia na grande sala e eu estava muito curiosa para conhecer esse espaço cuja construção acompanhei durante mais de uma década, desde o primeiro campinho de futebol para os funcionários da empreiteira.

Ao me deparar com o gigantesco navio de mármore, subi a bordo, encarando os quatro lances de escada de salto alto com elegância. É claro que eu poderia ter subido pelos elevadores caso tivesse sido avisada ou prestasse um pouco de atenção, mas o exercício matinal foi útil para ativar os sentidos (e eu já tinha parado de arfar quando a orquestra entrou no palco). Lá de cima, a vista não revelou nenhum atrativo e o vento forte bagunçou meus cachinhos. Esteticamente, o projeto não me agrada mas as dimensões das estruturas e dos vãos são, deveras, impressionantes. A Grande Sala, que não é tão grande assim, é bem mais aconchegante com iluminação agradável, temperatura ideal e uma distribuição de assentos que permite boa visão do palco de qualquer ponto da sala. Logo em seguida descobri que a acústica é mesmo maravilhosa como anunciam seus gestores. Não fosse pelo "leg space" digno da classe econômica das empresas aéreas brasileiras, seria realmente um espaço ideal. Mas vamos ao que interessa...

Logo de cara fomos surpreendidos com uma canja da orquestra da Academia Juvenil da OPES tocando Vivaldi. O conjunto, fruto de um belíssimo projeto dos músicos da orquestra profissional, tem mostrado sensível evolução nos últimos meses e deixou mestres e familiares radiantes de orgulho. Desconfio que temos ali verdadeiros talentos sendo lapidados para as orquestras de amanhã. Miguel Braga é a prova disso.

Chefe dos violoncelos da Academia e solista da noite à frente da orquestra dos seus professores, o menino não deve ter mais de 13 anos e tocou um belo concerto de Haydn, superando o nervosismo natural agravado pelo rompimento de uma das cordas do seu instrumento momentos antes de subir ao palco. Aplaudido de pé, ainda brindou o público com dois "bis": uma suite de Bach que ainda precisa amadurecer e uma peça mais moderna (não consegui identificar qual era) que mostrou um pouco da personalidade do moço. O mais bacana foi a ovação dos colegas que fizeram uma festa no balcão, comemorando o êxito de Miguel que pôde ir para casa com a sensação de dever cumprido.

A essa altura eu já estava bastante satisfeita de ter encarado a chuva e a preguiça de domingo. E aí veio Beethoven. Ah Ludwig! O que seria de mim sem você? Para quem não conhece, o primeiro acorde da sétima sinfonia é um tapa da cara. Tapa não. É um soco mesmo. Na segunda nota eu já tava chorando. Consegui me recompor até o final do primeiro movimento mas as violas me pegaram de novo no início do segundo. Esses românticos jogam sujo com nosso lado sentimental e, quando a orquestra consegue transmitir a força da composição e ainda ressaltar a sutil delicadeza em detalhes e esmeros, o resultado é inebriante.

A minha relação com essa obra é especial e muito íntima. Além do apreço emocional que tenho por ela, acho incrível como é possível descobrir algo novo a cada passagem. Um solo de clarineta, um contraponto, uma fuga disfarçada, uma nota longa no oboé. Para quem não sabe ler partitura, a descoberta vem com uma escuta atenta e repetida. Hoje, me diverti colando do regente (brincadeira possível apenas em concertos ao vivo). O maestro Felipe Prazeres estava extra didático, pelo menos para quem estava do lado de cá da plateia. Graças à sua linguagem corporal, e pronta resposta dos músicos, pude perceber ondulações de violinos, toques de contrabaixos, diálogos entre flautas e cordas, variações sobre o tema central e frases inteiras que outrora ficaram camufladas nos acordes alheios.

Com novo olhar e escuta enriquecida, saí cantarolando a cavalgada final, sorrindo de dentro pra fora.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Retrocríticas 1 - Novidade na câmara

O Rio de Janeiro tem a sorte de ser o lar de diversos conjuntos de música de câmara de altíssima qualidade. Dentre os meus favoritos constam o Quinteto Villa-Lobos, o Quarteto Radamés Gnattali, a Banda Anacleto de Medeiros, o Trio UFRJ e o Art Metal Quinteto. Se um desses estiver tocando, pode apostar que eu estarei na platéia. Esse mês tive o privilégio de testemunhar o nascimento de dois novos conjuntos que ainda vão dar muito o que falar: o Quarteto A Priori e o Trio Capitu.


O Quarteto A Priori teve o seu concerto de estréia no tradicionalíssimo salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ no dia 19 de abril. Sobre o palco, só craque: Priscila Rato e Marco Catto (violinos), Karolin Broosch (viola) e Pablo de Sá (violoncelo). Além do quarteto, eles ainda tocam em outros grupos de câmara, orquestras sinfônicas, dão aula e a Karolin, só pra humilhar, ainda canta bem e toca serra-de-mão (é isso mesmo!!). Não bastasse os quatro músicos serem bons, eles tocam juntos de uma forma encantadora e ainda sabem escolher um repertório.

Os quartetos de cordas de Villa-Lobos (no. 5) e Beethoven (Op. 18 no. 4) foram executados com muita competência mas a magia da noite veio com Tchaikovsky e o seu Andante Cantabile (Quarteto no.1). Lágrimas brotaram dos meus olhos desde a primeira nota até o último murmúrio conforme a música ia agitando as emoções guardadas em profundezas raramente tapeadas. Afinal, não é todo dia que uma melodia tão bonita como essa é transmitida com tanto carinho e complexidade. Achei que eu fosse voltar pra casa totalmente desconstruída depois dessa experiência mas eu sobrevivi graças à energia revitalizante da última peça cujos primeiros acordes ecoaram pelos corredores da escola com uma força espantosa. Pannonia Boundless da compositora contemporânea Aleksandra Vrebalov, espero eu, deverá ser obra obrigatória do repertório desse quarteto fantástico.

Eu estava de olho na estréia do Trio Capitu desde o ano passado quando surgiram nas redes sociais as primeiras fotos de divulgação. Além de adorar a ideia de um trio de sopros composto apenas por mulheres, eu sabia que um conjunto com origem no fosso do Theatro Municipal só poderia mesmo dar em coisa boa. E eu estava certa.

A estréia carioca (elas já tinham se apresentado em São João del Rei - MG) ocorreu no dia 28 de abril no Centro Cultural Midrash. Apesar da fachada imponente, o local não tem instalações próprias para música de câmara, o que não parecia desestabilizar o fôlego e a harmonia de Sofia Ceccato (flauta), Débora Nascimento (fagote) e Janaína Perotto (oboé). O repertório, bem variado, parecia um passeio por estilos e épocas variadas incluindo compositores brasileiros e europeus. Tocando um Vivaldi original para essa formação ou um trio de Haydn para duas flautas e um violoncelo, as moças estavam igualmente à vontade, se divertindo (ou pelo menos assim parecia) e agradando o público. A chave de ouro foi uma série de arranjos para obras de Chiquinha Gonzaga, especialmente encomendados pelo Trio Capitu, que colocou todo mundo para dançar nas cadeiras ao ritmo do fagote encantado. Música original, desenvoltura na fala (coisa rara entre músicos) e versatilidade de som comprovam que essas mulheres não são apenas mais três carinhas bonitas na cena musical do Rio e sim um conjunto de qualidade com um longo futuro à sua frente.

Quem quiser saber mais sobre os dois recém-nascidos, basta procurar por eles no Facebook e ficar de olho nas próximas récitas. Quem quiser ir comigo a um concerto de música de câmara, pode me acompanhar na próxima atração que será o Art Metal Quinteto, nesta quarta-feira (08/05) às 20h na paróquia Cristo Redentor em Laranjeiras. Nos vemos lá!

domingo, 5 de maio de 2013

Retrocríticas - a série

A julgar pela movimentação deste blog, até parece que nada aconteceu na cena musical carioca no mês de abril. Na verdade, não só as salas de concerto têm estado cheias para apresentações das nossas principais orquestras sinfônicas (no plural, viu senhor prefeito!) como grupos de música de câmara têm se apresentado em diversos locais da cidade e até montagem de ópera, com cenários e figurinos, rolou (coisa rara por essas bandas). A bióloga-metida-a-crítica-musical aqui é que não tem tido condições de comentar decentemente tudo que viu e ouviu.

No entanto, já que tenho sido cobrada, vou fazer um esforço extra para me manter mais atualizada e recuperar o passivo do mês de abril. Darei início, assim, à série Retrocríticas que terá três capítulos nessa primeira edição: 1. Novidade na câmara; 2. Orquestras, por que vos quero; 3. Aída bem que tem ópera. Além de tomar vergonha na cara, essa série será, para mim, um exercício interessante ao propiciar uma comparação entre as minhas impressões de uma récita logo após o espetáculo e algumas semanas depois. Afinal, o que será que realmente fica depois que o som das notas some dos meus ouvidos? Veremos...


Aproveito a oportunidade para também destacar alguns shows e concertos que adorei nesse último mês mas que não serão tópico de postagem mais detalhada porque, francamente, estou morrendo de preguiça:

- A série Concertos Internacionais da Dell´Arte em parceria com O Globo começou com força total! Tanto a Orchestre Symphonique de Montréal quanto o violoncelista Yo-yo Ma, acompanhado pela pianista Kathryn Stott, fizeram grandes apresentações no Theatro Municipal. A orquestra, regida pelo simpático Kent Nagano, tava nos trinques e abalou o público em uma performance memorável da Sinfonia no. 4 de Brahms. Destaques especiais para o spalla dos violoncelos (Brian Manker) que roubou a cena durante um concerto de piano (isso mesmo, de piano) e para os trombones mais melodiosos que eu já ouvi pessoalmente. O ponto alto, pra mim, do ótimo recital do senhor Yo-yo Ma foi uma peça lindíssima de Olivier Messiaen chamada Quatuor pour la fin du temps. O ponto baixo foi o público que me irritou profundamente e inspirou minha postagem anterior.

- Fugindo um pouco dos clássicos, vale uma menção honrosa à produção do musical As Mulheres de Grey Gardens, que encerra hoje a temporada. Confesso que a temática da peça não tinha despertado muito interesse mas a adaptação e a montagem foram feitas com grande esmero e a Soraya Ravenle esteve simplesmente divina no papel duplo de mãe e filha. A cena final onde ela tenta ir embora é de tirar o fôlego e está levando lágrimas aos meus olhos ainda agora, conforme escrevo essa palavras e lembro do drama do momento. Bravi tutti!

- No mundo do jazz, ficam aqui meus sinceros agradecimentos ao Quinteto Nuclear e à equipe de produção do Jazz Ahead. Essa festa, que por acaso está em destaque no Globo de hoje, combinou um lugar agradável, um ótimo DJ e um conjunto que toca um som de várias origens com alta qualidade e muito improviso. Mas confesso que eu sou suspeita porque sou fã desses caras há quase 15 anos então recomendo que vocês tirem suas próprias conclusões na terceira edição do evento que será no dia 25 de maio lá no Clube dos Macacos, no Jardim Botânico.

Agora, deixem eu voltar para a sala de concerto porque maio promete e eu ainda preciso tirar o atraso de abril...

sábado, 4 de maio de 2013

Manual para platéia

Ser músico não é nada fácil, mas ser platéia também tem lá seus desafios. Muitos iniciantes na música de concerto ficam preocupados com algumas regras de etiqueta do meio. Quantos sinais soam antes de iniciar o espetáculo? Quando devo bater palmas? Posso gritar "uhuuuu!"? Adianto logo que a preocupação é descabida. Na grande sala do Theatro Municipal, valem as mesmas regras de educação aplicáveis ao cinema, à sala de aula ou à sua própria casa.

A pessoa que está sobre o palco (ou no fosso) estudou e ensaiou muito para poder se apresentar para você. A pessoa que está do seu lado quer ter a oportunidade de desfrutar do deleite da boa música em um ambiente tão especial. Lembre sempre que você não está sozinho e que você pode sim atrapalhar a experiência daqueles em sua volta, transformando uma noite mágica em uma grande decepção. Respeitar o próximo e ter consideração pelos artistas que estão trabalhando parece ser uma lógica bastante simples mas o que não falta nas salas de concerto do Rio é platéia mal educada.

No intuito de contribuir para a formação de um público melhor para a música clássica, segue um mini-manual para o frequentador das salas de concerto. São cinco regras bem básicas que vão evitar que eu fique olhando feio para você durante uma récita.

1. Chegue na hora.
O trânsito do Rio é imprevisível, principalmente durante a semana, no final do horário comercial. Por isso, saia com antecedência de casa ou do trabalho para não correr o risco de chegar atrasado. Os espetáculos de música clássica costumam ser bem pontuais e o Theatro Municipal ainda fecha os portões depois do horário marcado e não adianta pestanejar. Quem não chega na hora, só entra na sala durante o intervalo.

Dentro do Theatro, o sistema de sinal evita que retardatários atrapalhem a concentração dos músicos e do público (sim, o seu vulto pedindo licença e correndo na frente do palco atrapalha pacas - mesmo que você se encolha todo). Primeiro sinal: fique atento, pois o espetáculo já vai começar (ou recomeçar depois do intervalo). Segundo sinal: retorne ao seu lugar. Terceiro sinal: sente-se e divirta-se.

2. Nada de balinha!
Recital de violoncelo e piano. O cellista começa a tocar baixinho, de olhos fechados, super concentrado. A melodia é delicada, melancólica e você começa a viajar para além das paredes da sala. Eis que um manezão resolve chupar um tic-tac ou uma balinha envolta em plástico, daqueles bem barulhentos para desenrolar, e resolve virar percussionista. Parece que esse zé ruela espera exatamente o momento mais pianissimo possível para refrescar o seu bafo, o que desperta os meus instintos mais assassinos. PELAMORDEDEUS espere o intervalo, o fim da peça, a pausa entre movimentos ou um momento mais enérgico da música para pegar a *#$@¨* da bala!!!

3. Desligue o celular.
Eu não deveria precisar explicar essa, mas tem gente que ainda não entendeu. Pior do que aquele que deixa o celular ligado durante um concerto é aquele que atende e ainda bate papo! Celular que toca no meio de uma récita é o pior dos micos (e quanto mais excêntrico for o seu toque, pior) portanto desligue o seu aparelho. Se você for médico, deixe no vibracall mas, se ele tocar, por favor atenda fora da sala.

4. Palmas só no final da peça.
Maior tabu dos frequentadores de concertos e preocupação número 1 dos novatos é o momento correto das palmas. Diferentemente de um show de rock ou jazz, a gente não costuma bater palma no meio de uma peça erudita. Um dos motivos é para não quebrar a concentração do intérprete. Outro é para que você não perca as notas que estão sendo encobertas pelas suas palmas. Portanto, espere a peça acabar.

Como saber que a peça acabou? Veja no programa de quantos movimentos é composta a obra sendo executada e aí é só contar e bater palmas após o último movimento (isso, assumindo que você gostou, é claro). Se for um recital, a dica é prestar atenção ao solista pois ele só relaxa quando a peça acaba. O mesmo vale para o maestro com música de orquestra. No Rio de Janeiro ainda tem mais um jeito de saber a hora de aplaudir os músicos: esperar o infalível (e nem sempre apreciado) grito de "maravilha!" sendo entoado por um frequentador assíduo, interrompendo o pairar da última nota.

5. O silêncio é de ouro.
A música é uma das coisas mais bonitas que o ser humano é capaz de produzir. Ela tem um poder de transformação assombroso e a música clássica tem entre os seus criadores e intérpretes os verdadeiros magos e feiticeiros desse mundo. No entanto, "esse tipo de música" requer um pano de fundo muito específico para atingir todo o seu potencial: o silêncio.

Qualquer interferência nesse pano de fundo rouba a atenção da obra prima em primeiro plano e corta o feitiço. Por isso, evite movimentos que fazem a cadeira ranger, jóias com penduricalhos tipo chocalhos, conversas desnecessárias no meio da música, leques barulhentos, abrir bolsas com ziper, e qualquer outra atividade ou objeto que provoque som. Além de evitar que eu sinta vontade de te jogar de cima do balcão (ninguém precisa desse tipo de energia negativa, né?), você também apreciará melhor a obra de arte sendo criada diante dos seus olhos e ouvidos. O silêncio interno também ajuda, mas isso aí é assunto para outro dia...

domingo, 31 de março de 2013

Nibelungos desencontrados

Para os amantes da sétima arte, a série Música e Imagem do Theatro Municipal do Rio de Janeiro é um prato cheio. No telão, que toma o palco inteiro, são projetados clássicos do cinema mudo enquanto a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal (OSTM) toca suas maravilhosas trilhas sonoras em grande estilo! É uma experiência cinematográfica sem igual.



Este ano, o título escolhido foi Os Nibelungos - a morte de Siegfried de Fritz Lang, em homenagem aos 200 anos de Wagner que compôs um ciclo de quatro óperas sobre o mesmo tema. A trilha sonora, no entanto, não é de Wagner (a bobinha aqui, por um momento, achou que fosse) e sim de Gottfried Huppertz, o mesmo de Metrópolis. Para citar o programa e o maestro Silvio Viegas, a composição é "densa, caracterizada por sonoridades brilhantes, grandiosas, que se ajusta com perfeição à estética expressionista do filme. (...) Huppertz faz uso de Leitmotivs, assim como Wagner." O que isso quer dizer? Não sei ao certo, mas a música de fato combina muito bem com a ação, trazendo cor à película preto e branca além de também ser responsável por diversos efeitos sonoros ao longo do filme. 

Por isso, foi uma lástima que um defeito no projetor, na noite de quinta-feira, tenha prejudicado a sincronia entre a orquestra e o filme, o que também acabou atrapalhando o desempenho dos músicos em alguns trechos. A peça já é um desafio de ser tocada ao vivo e ainda jogaram um dragão no meio do fosso! Músicos e maestro lutaram bravamente como um exército de Siegfrieds mas todo herói tem um ponto vulnerável. Pena que, justo na noite do cinema, o inimigo tenha partido da imagem... 

Falhas técnicas à parte, Os Nibelungos merece a fama que tem. Além de contar com efeitos especiais impressionantes para a época da produção (1924), ele capricha nos cenários, maquiagem e edição. A atuação, para padrões atuais, é cômica, com muita sobrancelha e posturas corporais inverossímeis mas os personagens são cativantes e envolventes graças a uma trama milenar. Se eu fosse alemã, teria muito orgulho dessa obra, que foi elaborada como um presente para reconstruir a auto-estima de um povo arrasado pela Primeira Guerra Mundial. 

Poemas épicos como Os Nibelungos, A Ilíada, Gilgamesh, Mahabharata, Beowulf e tantos outros escritos ao redor do mundo sempre abordam os mesmos aspectos da natureza humana e nenhum é lá muito lisonjeiro. Traição, mentira, orgulho, ganância parecem estar entranhados nas nossas relações e na nossa arte desde os tempos mais remotos, nos quatro cantos do mundo. Mas não há necessidade de se banhar no sangue de dragão para encarar a saga do dia a dia. Basta "fechar o corpo" com boa música e uma ótima companhia.


sábado, 23 de março de 2013

Parabéns Verdi!

Giuseppe Verdi oficialmente só completa 200 anos de nascimento no dia 13 de outubro mas a festa já começou. O repertório da estréia da temporada 2013 da Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES), ontem à noite no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, foi 100% dedicado a esse popularíssimo compositor italiano (tecnicamente nascido no império francês). Como Verdi é renomado principalmente por sua obra lírica, a orquestra foi acompanhada pelo Coro Sinfônico do Rio de Janeiro (direção de Júlio Moretzsohn), sob a batuta do seu maestro titular Isaac Karabtchevsky.

A noite começou ao som de música sacra com as Quatro Peças Sacras: Ave Maria, Stabat Mater, Laudi alla Vergine Maria e Te Deum. Essa definitivamente não teria sido a minha escolha de repertório, já que estava há quatro meses esperando para ouvir uma orquestra que não participa de duas das quatro peças. Além disso, a execução me pareceu morna, sem a emoção característica desse grupo, e o coro ainda passou por dificuldades em diversos trechos. Já que essas peças não foram compostas para serem tocadas em conjunto, eu recomendaria separá-las para aliviar um pouco o sofrimento da Virgem Maria...

Após o intervalo, no entanto, outra orquestra e outro coro subiram ao palco com um repertório composto por "top hits" que toda platéia ADORA apesar das reclamações dos críticos. O destino veio com la forza total arrancando um "puta que pariu isso é lindo demais!" da senhorinha sentada atrás de mim durante o solo de clarineta. Os dois spallas (Felipe Prazeres e Elissa Cassini), sentados lado a lado, saltitavam nas suas cadeiras como de praxe e vários sorrisos surgiram iluminando os rostos dos artistas sobre o palco. Agora sim, eu estava em um concerto da OPES!

O show continuou com um Va pensiero impecável e super suave, um coro de ferreiros enérgico e dançante (até os trompistas começaram a bailar), e a belíssima abertura de Aída que resume em oito minutos a intensidade de amor, traição, ciúme, medo e arrependimento. O grand finale com a marcha triunfal foi um desfile de competência de músicos inspirados. O famoso solo de metais, preciso e elegante, empolgou o público, o coro cantou a merecida vitória, as cordas pareciam ser guiadas por um único arco, as madeiras ressaltavam a beleza rendada da composição (com um piccolo excepcionalmente encapetado) enquanto a percussão ditava o ritmo da passada de todos.

Para fechar com chave de ouro, um Brindisi de bônus para todos irmos para a casa cantarolando, inebriados de Verdi.

Antes de encerrar esta crônica, compartilho com vocês uma fofoca de banheiro feminino do Municipal. Uma senhora, ao constatar que não tinha papel reclamou com os demais presentes "Que absurdo! Um lugar desse nível não ter papel é o fim!". Uma outra frequentadora, ao lavar as mãos, contestou: "Absurdo é esses músicos aí estarem sem receber desde o início do ano porque a Petrobras ainda não renovou o patrocínio!". Sem querer colocar lenha na fogueira (até porque não tenho confirmação oficial da fofoca), deixo apenas um recado para a Petrobras: A música é a nossa energia! Espero que renove e continue tratando essa orquestra como prioridade por muitos e muitos anos.

Bela estréia! Bravi!

sábado, 2 de março de 2013

Temporada 2013

Foi dada a largada para a temporada 2013 de música de concerto no Rio de Janeiro e tem muita coisa boa vindo por aí! Como a viciada dedicada que sou, já fiz assinaturas da Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES), da OSB Ópera e Repertório (O&R) e da Dell´Arte e estou de olho na programação do Theatro Municipal (TMRJ) e mais alguns concertinhos avulso. Isso sem falar em música de câmara que também começa a burburinhar pela cidade. Estou empolgada, querem saber por quê?



1) A OPES está vindo com as suas duas séries principais de hábito (10 concertos no TM) e ainda deve divulgar sua programação mais popular e de concertos de câmara. Como não poderia deixar de ser, ela homenageia os dois bicentenários do ano, Guiseppe Verdi e Richard Wagner, com concertos exclusivos para cada um deles. Os compositores brasileiros não ficam atrás com uma estréia mundial de uma peça comissionada de Ronaldo Miranda e uma bela festa de aniversário para Edino Krieger. Ainda poderemos contar com as combinações infalíveis de Nelson Freire interpretando Chopin e Mischa Maisky trazendo Shostakovich. Ainda agradeço à direção artística por me presentear com o concerto de Bela Bartók e a 5a Sinfonia de Beethoven, obra esta que carrego sempre comigo, no ombro e na alma.

2) A série Concertos Internacionais da Dell´Arte pode muito bem ser responsabilizada por minha falência no primeiro semestre de 2013, mas certamente valerá a pena. Só de pensar que logo logo estarei cara a cara com Yo-yo Ma, Joshua Bell, Quarteto Borodin e a Concertgebouw já fico toda arrepiada!

3) A FOSB tinha prometido uma série para a O&R e não é que cumpriu e ainda fez duas?! Garanti meu lugarzinho na Ônix para passar minhas sextas em boa companhia com Britten, Berlioz, Poulenc, Rossini e Stavinsky, incluindo um noite denominada "ciúme e traição" (uuuuuuuhhhhhhh...). Já na Ágata, certamente darei um jeito de assistir Medeia com Eliane Coelho! Alias, já vi que vou acabar assinando a série inteira também, mas vamos com calma porque ainda tem a série Repertório no Jardim Botâncio a partir de setembro! A OSB também está com algumas atrações tentadoras como o Antonio Meneses tocando Elgar (quem ouviu o seu último CD sabe que é sensacional), Paulo Szot cantando Wagner e Lynn Harrel também no Shostakovich (ele toca o concerto no. 2 enquanto o Maisky toca o no. 1 com a OPES). Confesso no entanto que só de pensar em assistir a algum concerto regido pelo Roberto Minczuk, fico desanimada (sim, é pessoal e todo mundo que me conhece sabe muito bem disso, então pronto, falei!).

4) O TMRJ divulgou ontem sua temporada 2013, ou melhor, parte dela. (pausa para suspiro...) Tô começando a achar que a direção do Theatro gosta de apanhar da mídia especializada, mas foquemos nos pontos positivos. O programador (sic) artístico Isaac Karabtchevsky não perdeu tempo em colocar Verdi e Wagner na programação em grande estilo: Aída e Valquíria! Tô super dentro! O Lago dos Cisnes previsto para final de maio também será um hit certeiro e contará com meus aplausos. Aguardemos o que virá no repertório do segundo semestre na expectativa que a direção saberá aproveitar o coro, corpo de baile e orquestra que tem à sua disposição, assim como os novos integrantes que entrarão através do concurso este ano (NÉ???).

Ufa! Até que tá movimentado e ainda vou encaixar uns duos, trios, quartetos, quintetos, heptetos e orquestras de câmara aí no meio... E livros, cinema, viagens, restaurantes, bares, trabalho, exposições... Viva o Rio de Janeiro!