Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Retrocríticas 1 - Novidade na câmara

O Rio de Janeiro tem a sorte de ser o lar de diversos conjuntos de música de câmara de altíssima qualidade. Dentre os meus favoritos constam o Quinteto Villa-Lobos, o Quarteto Radamés Gnattali, a Banda Anacleto de Medeiros, o Trio UFRJ e o Art Metal Quinteto. Se um desses estiver tocando, pode apostar que eu estarei na platéia. Esse mês tive o privilégio de testemunhar o nascimento de dois novos conjuntos que ainda vão dar muito o que falar: o Quarteto A Priori e o Trio Capitu.


O Quarteto A Priori teve o seu concerto de estréia no tradicionalíssimo salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ no dia 19 de abril. Sobre o palco, só craque: Priscila Rato e Marco Catto (violinos), Karolin Broosch (viola) e Pablo de Sá (violoncelo). Além do quarteto, eles ainda tocam em outros grupos de câmara, orquestras sinfônicas, dão aula e a Karolin, só pra humilhar, ainda canta bem e toca serra-de-mão (é isso mesmo!!). Não bastasse os quatro músicos serem bons, eles tocam juntos de uma forma encantadora e ainda sabem escolher um repertório.

Os quartetos de cordas de Villa-Lobos (no. 5) e Beethoven (Op. 18 no. 4) foram executados com muita competência mas a magia da noite veio com Tchaikovsky e o seu Andante Cantabile (Quarteto no.1). Lágrimas brotaram dos meus olhos desde a primeira nota até o último murmúrio conforme a música ia agitando as emoções guardadas em profundezas raramente tapeadas. Afinal, não é todo dia que uma melodia tão bonita como essa é transmitida com tanto carinho e complexidade. Achei que eu fosse voltar pra casa totalmente desconstruída depois dessa experiência mas eu sobrevivi graças à energia revitalizante da última peça cujos primeiros acordes ecoaram pelos corredores da escola com uma força espantosa. Pannonia Boundless da compositora contemporânea Aleksandra Vrebalov, espero eu, deverá ser obra obrigatória do repertório desse quarteto fantástico.

Eu estava de olho na estréia do Trio Capitu desde o ano passado quando surgiram nas redes sociais as primeiras fotos de divulgação. Além de adorar a ideia de um trio de sopros composto apenas por mulheres, eu sabia que um conjunto com origem no fosso do Theatro Municipal só poderia mesmo dar em coisa boa. E eu estava certa.

A estréia carioca (elas já tinham se apresentado em São João del Rei - MG) ocorreu no dia 28 de abril no Centro Cultural Midrash. Apesar da fachada imponente, o local não tem instalações próprias para música de câmara, o que não parecia desestabilizar o fôlego e a harmonia de Sofia Ceccato (flauta), Débora Nascimento (fagote) e Janaína Perotto (oboé). O repertório, bem variado, parecia um passeio por estilos e épocas variadas incluindo compositores brasileiros e europeus. Tocando um Vivaldi original para essa formação ou um trio de Haydn para duas flautas e um violoncelo, as moças estavam igualmente à vontade, se divertindo (ou pelo menos assim parecia) e agradando o público. A chave de ouro foi uma série de arranjos para obras de Chiquinha Gonzaga, especialmente encomendados pelo Trio Capitu, que colocou todo mundo para dançar nas cadeiras ao ritmo do fagote encantado. Música original, desenvoltura na fala (coisa rara entre músicos) e versatilidade de som comprovam que essas mulheres não são apenas mais três carinhas bonitas na cena musical do Rio e sim um conjunto de qualidade com um longo futuro à sua frente.

Quem quiser saber mais sobre os dois recém-nascidos, basta procurar por eles no Facebook e ficar de olho nas próximas récitas. Quem quiser ir comigo a um concerto de música de câmara, pode me acompanhar na próxima atração que será o Art Metal Quinteto, nesta quarta-feira (08/05) às 20h na paróquia Cristo Redentor em Laranjeiras. Nos vemos lá!

domingo, 5 de maio de 2013

Retrocríticas - a série

A julgar pela movimentação deste blog, até parece que nada aconteceu na cena musical carioca no mês de abril. Na verdade, não só as salas de concerto têm estado cheias para apresentações das nossas principais orquestras sinfônicas (no plural, viu senhor prefeito!) como grupos de música de câmara têm se apresentado em diversos locais da cidade e até montagem de ópera, com cenários e figurinos, rolou (coisa rara por essas bandas). A bióloga-metida-a-crítica-musical aqui é que não tem tido condições de comentar decentemente tudo que viu e ouviu.

No entanto, já que tenho sido cobrada, vou fazer um esforço extra para me manter mais atualizada e recuperar o passivo do mês de abril. Darei início, assim, à série Retrocríticas que terá três capítulos nessa primeira edição: 1. Novidade na câmara; 2. Orquestras, por que vos quero; 3. Aída bem que tem ópera. Além de tomar vergonha na cara, essa série será, para mim, um exercício interessante ao propiciar uma comparação entre as minhas impressões de uma récita logo após o espetáculo e algumas semanas depois. Afinal, o que será que realmente fica depois que o som das notas some dos meus ouvidos? Veremos...


Aproveito a oportunidade para também destacar alguns shows e concertos que adorei nesse último mês mas que não serão tópico de postagem mais detalhada porque, francamente, estou morrendo de preguiça:

- A série Concertos Internacionais da Dell´Arte em parceria com O Globo começou com força total! Tanto a Orchestre Symphonique de Montréal quanto o violoncelista Yo-yo Ma, acompanhado pela pianista Kathryn Stott, fizeram grandes apresentações no Theatro Municipal. A orquestra, regida pelo simpático Kent Nagano, tava nos trinques e abalou o público em uma performance memorável da Sinfonia no. 4 de Brahms. Destaques especiais para o spalla dos violoncelos (Brian Manker) que roubou a cena durante um concerto de piano (isso mesmo, de piano) e para os trombones mais melodiosos que eu já ouvi pessoalmente. O ponto alto, pra mim, do ótimo recital do senhor Yo-yo Ma foi uma peça lindíssima de Olivier Messiaen chamada Quatuor pour la fin du temps. O ponto baixo foi o público que me irritou profundamente e inspirou minha postagem anterior.

- Fugindo um pouco dos clássicos, vale uma menção honrosa à produção do musical As Mulheres de Grey Gardens, que encerra hoje a temporada. Confesso que a temática da peça não tinha despertado muito interesse mas a adaptação e a montagem foram feitas com grande esmero e a Soraya Ravenle esteve simplesmente divina no papel duplo de mãe e filha. A cena final onde ela tenta ir embora é de tirar o fôlego e está levando lágrimas aos meus olhos ainda agora, conforme escrevo essa palavras e lembro do drama do momento. Bravi tutti!

- No mundo do jazz, ficam aqui meus sinceros agradecimentos ao Quinteto Nuclear e à equipe de produção do Jazz Ahead. Essa festa, que por acaso está em destaque no Globo de hoje, combinou um lugar agradável, um ótimo DJ e um conjunto que toca um som de várias origens com alta qualidade e muito improviso. Mas confesso que eu sou suspeita porque sou fã desses caras há quase 15 anos então recomendo que vocês tirem suas próprias conclusões na terceira edição do evento que será no dia 25 de maio lá no Clube dos Macacos, no Jardim Botânico.

Agora, deixem eu voltar para a sala de concerto porque maio promete e eu ainda preciso tirar o atraso de abril...

sábado, 4 de maio de 2013

Manual para platéia

Ser músico não é nada fácil, mas ser platéia também tem lá seus desafios. Muitos iniciantes na música de concerto ficam preocupados com algumas regras de etiqueta do meio. Quantos sinais soam antes de iniciar o espetáculo? Quando devo bater palmas? Posso gritar "uhuuuu!"? Adianto logo que a preocupação é descabida. Na grande sala do Theatro Municipal, valem as mesmas regras de educação aplicáveis ao cinema, à sala de aula ou à sua própria casa.

A pessoa que está sobre o palco (ou no fosso) estudou e ensaiou muito para poder se apresentar para você. A pessoa que está do seu lado quer ter a oportunidade de desfrutar do deleite da boa música em um ambiente tão especial. Lembre sempre que você não está sozinho e que você pode sim atrapalhar a experiência daqueles em sua volta, transformando uma noite mágica em uma grande decepção. Respeitar o próximo e ter consideração pelos artistas que estão trabalhando parece ser uma lógica bastante simples mas o que não falta nas salas de concerto do Rio é platéia mal educada.

No intuito de contribuir para a formação de um público melhor para a música clássica, segue um mini-manual para o frequentador das salas de concerto. São cinco regras bem básicas que vão evitar que eu fique olhando feio para você durante uma récita.

1. Chegue na hora.
O trânsito do Rio é imprevisível, principalmente durante a semana, no final do horário comercial. Por isso, saia com antecedência de casa ou do trabalho para não correr o risco de chegar atrasado. Os espetáculos de música clássica costumam ser bem pontuais e o Theatro Municipal ainda fecha os portões depois do horário marcado e não adianta pestanejar. Quem não chega na hora, só entra na sala durante o intervalo.

Dentro do Theatro, o sistema de sinal evita que retardatários atrapalhem a concentração dos músicos e do público (sim, o seu vulto pedindo licença e correndo na frente do palco atrapalha pacas - mesmo que você se encolha todo). Primeiro sinal: fique atento, pois o espetáculo já vai começar (ou recomeçar depois do intervalo). Segundo sinal: retorne ao seu lugar. Terceiro sinal: sente-se e divirta-se.

2. Nada de balinha!
Recital de violoncelo e piano. O cellista começa a tocar baixinho, de olhos fechados, super concentrado. A melodia é delicada, melancólica e você começa a viajar para além das paredes da sala. Eis que um manezão resolve chupar um tic-tac ou uma balinha envolta em plástico, daqueles bem barulhentos para desenrolar, e resolve virar percussionista. Parece que esse zé ruela espera exatamente o momento mais pianissimo possível para refrescar o seu bafo, o que desperta os meus instintos mais assassinos. PELAMORDEDEUS espere o intervalo, o fim da peça, a pausa entre movimentos ou um momento mais enérgico da música para pegar a *#$@¨* da bala!!!

3. Desligue o celular.
Eu não deveria precisar explicar essa, mas tem gente que ainda não entendeu. Pior do que aquele que deixa o celular ligado durante um concerto é aquele que atende e ainda bate papo! Celular que toca no meio de uma récita é o pior dos micos (e quanto mais excêntrico for o seu toque, pior) portanto desligue o seu aparelho. Se você for médico, deixe no vibracall mas, se ele tocar, por favor atenda fora da sala.

4. Palmas só no final da peça.
Maior tabu dos frequentadores de concertos e preocupação número 1 dos novatos é o momento correto das palmas. Diferentemente de um show de rock ou jazz, a gente não costuma bater palma no meio de uma peça erudita. Um dos motivos é para não quebrar a concentração do intérprete. Outro é para que você não perca as notas que estão sendo encobertas pelas suas palmas. Portanto, espere a peça acabar.

Como saber que a peça acabou? Veja no programa de quantos movimentos é composta a obra sendo executada e aí é só contar e bater palmas após o último movimento (isso, assumindo que você gostou, é claro). Se for um recital, a dica é prestar atenção ao solista pois ele só relaxa quando a peça acaba. O mesmo vale para o maestro com música de orquestra. No Rio de Janeiro ainda tem mais um jeito de saber a hora de aplaudir os músicos: esperar o infalível (e nem sempre apreciado) grito de "maravilha!" sendo entoado por um frequentador assíduo, interrompendo o pairar da última nota.

5. O silêncio é de ouro.
A música é uma das coisas mais bonitas que o ser humano é capaz de produzir. Ela tem um poder de transformação assombroso e a música clássica tem entre os seus criadores e intérpretes os verdadeiros magos e feiticeiros desse mundo. No entanto, "esse tipo de música" requer um pano de fundo muito específico para atingir todo o seu potencial: o silêncio.

Qualquer interferência nesse pano de fundo rouba a atenção da obra prima em primeiro plano e corta o feitiço. Por isso, evite movimentos que fazem a cadeira ranger, jóias com penduricalhos tipo chocalhos, conversas desnecessárias no meio da música, leques barulhentos, abrir bolsas com ziper, e qualquer outra atividade ou objeto que provoque som. Além de evitar que eu sinta vontade de te jogar de cima do balcão (ninguém precisa desse tipo de energia negativa, né?), você também apreciará melhor a obra de arte sendo criada diante dos seus olhos e ouvidos. O silêncio interno também ajuda, mas isso aí é assunto para outro dia...