Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Os meus melhores de 2013

Apesar da correria de fim de ano, resolvi entrar na onda das retrospectivas. Como o blog ficou quase abandonado durante o segundo semestre, nada mais justo do que tomar o tempo e ceder espaço para dar o reconhecimento àqueles que me encantaram ao longo do ano.


A Orquestra Petrobras Sinfônica trabalhou pacas esse ano! Além das duas séries nobres no Theatro Municipal, ela ainda produziu vários concertos gratuitos na série Mestre Athayde, estreou espaços novos na Barra da Tijuca e também apresentou seus alunos da Academia Juvenil. Dentre todas essas apresentações, o grande concerto do ano da OPES para mim ocorreu no dia 09 de novembro com a participação de Mischa Maisky tocando Shostakovich seguido da Sagração da Primavera de Igor Stravinsky. Também merecem menção honrosa o concerto do dia dos músicos (22 de novembro) com atuação inspirada da Cristina Braga na harpa, o concerto para violino e oboé de Bach com os irmãos Prazeres (Felipe e Carlos) como solistas e a Sinfonia no. 7 de Beethoven na Cidade das Artes.  Ano que vem tem mais e como fui uma boa menina, já ganhei do Papai Noel as assinaturas de 2014.
Continuo não assistindo aos concertos da OSB porque o regente titular me irrita profundamente. Esse ano, contudo, abri uma exceção para não perder a passagem do Antonio Menezes pela cidade tocando Elgar. Valeu a pena, o concerto foi ótimo e ainda ganhei um Bach de brinde no bis que me fez chorar feito criança. Quanto à OSB Ópera e Repertório, não consegui acompanhar tanto quanto eu gostaria mas mesmo sendo um pouco menos assídua, destaco alguns concertos realmente memoráveis incluindo o concerto duplo de Bach com Priscila Rato e Marco Catto nos violinos solos (membros da própria orquestra), o réquiem de Mozart no Teatro Bradesco e o “Sonho de uma noite de verão” do Benjamin Britten.
Na Escola de Música da UFRJ, a ORSEM anda colocando as manguinhas de fora e recomendo, a quem interessar possa, ficar de olho nesse grupo que reúne ótimos profissionais em umas das melhores instituições de ensino de música do país (eu sou filha da Minerva então morro de orgulho). O concerto para violino do Tchaikovsky, com solo de Priscila Rato (olha ela aí de novo!) foi definitivamente um dos pontos altos do repertório deste ano.
A principal orquestra de ópera e balé da cidade, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, teve um ano bem movimentado fora do palco e conseguiu tirar do papel o concurso público para completar as suas estantes. A gente fica na torcida para que isso permita que os corpos artísticos trabalhem com mais tranquilidade em 2014 e que o repertório reflita a competência desses artistas. Porém, mesmo temporadas fracas têm suas pérolas. Fiquei emocionada de assistir o “Encouraçado Potemkin” na telona com a trilha ao vivo. Descobri que esse era um dos filmes prediletos do meu avô e o impacto da cena da escadaria foi indescritível. Mas foi o “Carmina Burana”, reunindo talentos da orquestra, do coro e do balé, que mais me agradou este ano. A composição é maravilhosa, a execução foi emocionante e a coreografia irretocável. Quero mais disso em 2014!
Ainda nas orquestras, algumas estrangeiras estiveram por aqui, confirmando por que são consideradas as melhores do mundo. Concertgebouw, eu te amo! Volte logo! Volte sempre! Agora, o melhor presente de todos quem deu foi a Orquestra Filarmônica de Israel. Ela já é aquele arraso, Zubin Mehta com toda a sua elegância empunhando a batuta, eu com sorriso de orelha a orelha e aí, quem é que sobe no palco sem anúncio prévio? Pinchas Zuckerman! Quase morri de emoção! Ai ai... Choro só de lembrar.
Mas quem foi que disse que só de orquestras vive a música erudita? Alguns dos melhores concertos do ano foram de música de câmara incluindo, é claro, o Quarteto Borodin e o violinista Joshua Bell que tocou ao lado do pianista Alessio Bax uma sonata Kreutzer cujo adjetivo correto ainda não foi inventado. Dentre nossos grupos tupiniquins, vou continuar de chefe de torcida dos meus favoritos de sempre. O Quarteto A Priori teve uma estreia iluminada e já tá dando o que falar. Deixo aqui registrado que foi o Andante cantabile mais tocante que eu já ouvi e olha que essa peça não é pouco tocada! Elevando padrões, é assim que a gente gosta! Já o Art Metal Quinteto resolveu fazer história, literalmente. Em um esforço único de resgate cultural, adaptação de partitura e execução impecável, esse grupo trouxe de volta à vida a obra de Henrique Alves de Mesquita, um importante compositor do Brasil Império (quem quiser ouvir, já tem o CD). Ano que vem parece que sai a biografia do moço. Estou no aguardo da minha cópia autografada!  Outro CD “Bem Brasileiro” lançado esse ano foi o do Duo Santoro. Esse eu não assisti ao vivo ainda, mas tive o prazer de receber um exemplar direto na minha casa e a gravação está deliciosa e aconchegante. E para não perder o hábito, o Trio UFRJ novamente se destacou em um concerto onde ele virou um quarteto com a viola encantada de Dhyan Toffolo. Se puder achar mais repertório para essa formação, eu apoio!

Como podem ver, 2013 foi um ano bastante produtivo, emocionante e até surpreendente no mundo dos clássicos.  Agora é o momento de ano que os músicos entram de férias e eu em depressão. Um ótimo início de ano para todos e até breve em uma sala de concertos pela Cidade Maravilhosa. 


domingo, 1 de dezembro de 2013

Estreia com Beethoven

Desde maio não escrevo nada sobre música. Acabo de me dar conta que a minha proposta de "retrocríticas" foi por água abaixo já que deixei acumular cerca de 30 textos referentes aos concertos, óperas, balés, recitais e afins aos quais assisti este ano. Se a memória permitir, prometo postar uma retrospectiva geral em breve, mas hoje o assunto é outro: minha estreia na Cidade das Artes (como ouvinte, é claro).

A manhã chuvosa de domingo não inspirava muita energia, mas Beethoven é sempre um bom motivo para levantar da cama. A Orquestra Petrobras Sinfônica tocaria a 7a sinfonia na grande sala e eu estava muito curiosa para conhecer esse espaço cuja construção acompanhei durante mais de uma década, desde o primeiro campinho de futebol para os funcionários da empreiteira.

Ao me deparar com o gigantesco navio de mármore, subi a bordo, encarando os quatro lances de escada de salto alto com elegância. É claro que eu poderia ter subido pelos elevadores caso tivesse sido avisada ou prestasse um pouco de atenção, mas o exercício matinal foi útil para ativar os sentidos (e eu já tinha parado de arfar quando a orquestra entrou no palco). Lá de cima, a vista não revelou nenhum atrativo e o vento forte bagunçou meus cachinhos. Esteticamente, o projeto não me agrada mas as dimensões das estruturas e dos vãos são, deveras, impressionantes. A Grande Sala, que não é tão grande assim, é bem mais aconchegante com iluminação agradável, temperatura ideal e uma distribuição de assentos que permite boa visão do palco de qualquer ponto da sala. Logo em seguida descobri que a acústica é mesmo maravilhosa como anunciam seus gestores. Não fosse pelo "leg space" digno da classe econômica das empresas aéreas brasileiras, seria realmente um espaço ideal. Mas vamos ao que interessa...

Logo de cara fomos surpreendidos com uma canja da orquestra da Academia Juvenil da OPES tocando Vivaldi. O conjunto, fruto de um belíssimo projeto dos músicos da orquestra profissional, tem mostrado sensível evolução nos últimos meses e deixou mestres e familiares radiantes de orgulho. Desconfio que temos ali verdadeiros talentos sendo lapidados para as orquestras de amanhã. Miguel Braga é a prova disso.

Chefe dos violoncelos da Academia e solista da noite à frente da orquestra dos seus professores, o menino não deve ter mais de 13 anos e tocou um belo concerto de Haydn, superando o nervosismo natural agravado pelo rompimento de uma das cordas do seu instrumento momentos antes de subir ao palco. Aplaudido de pé, ainda brindou o público com dois "bis": uma suite de Bach que ainda precisa amadurecer e uma peça mais moderna (não consegui identificar qual era) que mostrou um pouco da personalidade do moço. O mais bacana foi a ovação dos colegas que fizeram uma festa no balcão, comemorando o êxito de Miguel que pôde ir para casa com a sensação de dever cumprido.

A essa altura eu já estava bastante satisfeita de ter encarado a chuva e a preguiça de domingo. E aí veio Beethoven. Ah Ludwig! O que seria de mim sem você? Para quem não conhece, o primeiro acorde da sétima sinfonia é um tapa da cara. Tapa não. É um soco mesmo. Na segunda nota eu já tava chorando. Consegui me recompor até o final do primeiro movimento mas as violas me pegaram de novo no início do segundo. Esses românticos jogam sujo com nosso lado sentimental e, quando a orquestra consegue transmitir a força da composição e ainda ressaltar a sutil delicadeza em detalhes e esmeros, o resultado é inebriante.

A minha relação com essa obra é especial e muito íntima. Além do apreço emocional que tenho por ela, acho incrível como é possível descobrir algo novo a cada passagem. Um solo de clarineta, um contraponto, uma fuga disfarçada, uma nota longa no oboé. Para quem não sabe ler partitura, a descoberta vem com uma escuta atenta e repetida. Hoje, me diverti colando do regente (brincadeira possível apenas em concertos ao vivo). O maestro Felipe Prazeres estava extra didático, pelo menos para quem estava do lado de cá da plateia. Graças à sua linguagem corporal, e pronta resposta dos músicos, pude perceber ondulações de violinos, toques de contrabaixos, diálogos entre flautas e cordas, variações sobre o tema central e frases inteiras que outrora ficaram camufladas nos acordes alheios.

Com novo olhar e escuta enriquecida, saí cantarolando a cavalgada final, sorrindo de dentro pra fora.