Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Um Prelúdio do Portinari

No próximo sábado, dia 16 de abril, será a estréia da série Portinari da Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Antes dos concertos da série, a orquestra promove palestras para abordar de forma descontraída alguns aspectos interessantes sobre o repertório do dia. Pois vejam só amiguinhos: neste sábado eu serei a palestrante!! Foi uma honra ser convidada pela orquestra e estou me divertindo demais me preparando para o evento. É claro que conforme a data vai se aproximando, vai dando um friozinho na barriga mas vai dar tudo certo. 

Como parte do processo de levantamento de informações para a palestra, tive o privilégio de conversar com um dos solistas da tarde: o violista Dhyan Toffolo.  Ele tocará o concerto duplo para viola e clarineta (op.88) de Max Bruch ao lado do clarinetista Cristiano Alves e generosamente me cedeu algumas horas do seu dia para falarmos sobre a obra, o compositor e a experiência de solar um concerto no Theatro Municipal. 

Dhyan é violista da OPES, professor da UNIRIO, acabou de concluir o seu mestrado, fez a direção artística do CD do Trio Capitu ("Novos Ventos") e ainda tem fama de ser ótimo churrasqueiro. É talento que não acaba mais! Transcrevo abaixo alguns trechos dessa prosa e espero que esse amuse-gueule lhes dê fome de concerto. Até sábado! A palestra começa às 14:30, venham!!! 

Quarta-feira, 06 de abril de 2016

Eu: Você e o Cristiano Alves já são músicos da OPES há muitos anos. Como foi o convite para solar esse concerto?
DT: A ideia de tocarmos este concerto nasceu há cerca de dois anos. Eu estava fazendo uma pesquisa de repertório para viola e quando me deparei com este concerto, eu fiquei louco. Comprei a partitura e comecei a estudar. Mostrei para o Cristiano, que já conhecia a obra, e ele concordou que seria uma proposta interessante de fazermos à diretoria artística da orquestra. Escrevi o projeto e entrei à diretoria e eles foram muito receptivos, afinal esse concerto é muito bonito e pouco executado. Eles não apenas incluiram o concerto na programação deste ano, como colocaram na abertura de uma das séries principais no Theatro Municipal. Ficamos muito felizes.

Eu: O que foi neste concerto que te deixou louco?
DT: Bem, eu sou um cara romântico (risos) e tenho uma relação muito especial com o Max Bruch. Quando vim morar no Rio, me despedi da Orquestra de Sorocaba solando justamente o concerto no. 1 em sol menor que é uma das peças mais populares para violino e orquestra. Esse concerto duplo para viola e clarineta é muito menos conhecido mas também é lindíssimo, complexo e impactante desde a primeira nota! Nesses dois anos, eu já devo ter escutado essa peça mais de 500 vezes e ainda não cansei dela.

Eu: 500 vezes?! Qual é a sua versão favorita?
DT: A que eu mais gosto é uma gravação com a orquestra da Opera de Lyon, regida pelo Kent Nagano, Paul Meyer na clarineta e Gérard Caussé na viola. É incrível!

Eu: Como você se prepara para uma performance como essa? Qual é a parte mais dificil?
DT: Primeiro, o dedo tem que aprender as notas. Nesse sentido, o terceiro movimento é o mais difícil. É mais rápido, tem mais notas… Mas artisticamente acho que o primeiro movimento é o mais desafiador. O primeiro movimento costuma ser o mais inspirado, é onde está a ideia central da peça. Só nos primeiros compassos, já temos que tomar várias decisões em relação a como executar aquele trecho. Eu e o Cristiano temos trabalhado muito juntos para que haja um alinhamento de intenções. E depois tem o ensaio com a orquestra que é a hora da verdade (risos).

EU: Como é tocar com o Cristiano Alves? Fiquei sabendo que você tocou no lançamento do CD que ele gravou recentemente.
DT: É verdade. Toquei a Modinha do Osvaldo Lacerda mas foi só no evento do lançamento. Quem gravou a viola no CD foi o Gabriel Marin que é um ótimo violista. Foi um evento muito gostoso. Tocar com o Cristiano é antes de tudo uma honra. Ele é um músico de primeira linha, seguramente um dos melhores que o Brasil já teve! É reconhecidamente exigente com todos os detalhes e eu acho isso muito bem-vindo. Adoro um desafio e gosto de trabalhar com quem sempre busca ir um passo além. É o que faz a gente crescer e se desenvolver profissionalmente.


EU: E como é tocar com os teus colegas da OPES? Você normalmente está na terceira estante das violas e agora está na frente da orquestra. É mais difícil tocar diante dos colegas do que solar com outra orquestra do mesmo nível?
DT: Por um lado, tocar com os colegas é mais difícil porque se você faz besteira, ainda tem que encarar todo mundo na semana seguinte (risos). Mas essa orquestra tem um clima espetacular. Sinto da parte de todos uma torcida muito grande para que tudo corra bem e estamos todos trabalhando juntos para o sucesso do concerto e da orquestra, sempre! A comunicação também fica mais fácil quando você sabe exatamente o que é esperado de você. Como tanto eu quanto o Cristiano somos músicos de orquestra, sabemos o que a orquestra precisa do solista e o que o maestro requer também para que todas as partes se encaixem. Creio que o entrosamento não tem como ser melhor.
Quanto ao desafio de solar um concerto, creio que seja mais uma etapa a ser vencida na vida de um músico profissional, assim como aprender o instrumento, se tornar membro de uma orquestra, ser chefe de naipe, fazer música de câmara etc… Já passei por isso tudo e já fui solista em diversas ocasiões ao longo da minha formação. Mas é a primeira vez, solando um concerto de viola, no Theatro Municipal em uma das séries principais da OPES. É muito especial e certamente o concerto mais importante que eu tenho a oportunidade de participar como solista.

EU: Esse concerto foi escrito pelo Bruch em 1911. Você identifica nele alguma influência mais moderna?
DT: Nenhuma! Poderia perfeitamente ser datado de 30 anos antes.

EU: Na sua estréia, o concerto não recebeu boa críticas. Foi tido como “pouco inspirado”, talvez já “demodé”. Cem anos depois, ele voltou à moda?
DT: Essa questão de moda é complexa. A gente poderia ficar uma semana falando só sobre isso (risos). Resumidamente, eu acho que música boa não sai de moda e Max Bruch já garantiu sua cadeira cativa dentre os grandes compositores do romantismo e esse concerto é maravilhoso!

EU: Quais outras obras você gostaria de tocar como solista?
DT: TODAS! Ainda sou novo e posso ser ambicioso, por que não? Mas tem duas que tenho um carinho especial: o concerto de Bartok e o concerto de Walton. O de Bartok é tido como um dos mais importantes do repertório da viola mas confesso que tenho uma quedinha pelo Walton. É fantástico!

EU: Se você pudesse fazer uma recomendação para a platéia que vai assistir a esse concerto, qual seria a dica?
DT: A viola e a clarineta possuem vozes semelhantes mas possuem qualidade também bem distintas. A viola é mais melódica enquanto a clarineta é mais virtuosa. Bruch, nesse concerto, soube explorar tanto as similaridades quando as diferenças entre os dois instrumentos. Agora cabe a nós, intérpretes, mostrar isso para o público. E é isso que pretendemos fazer, desde a primeira nota! Eu vou mostrar a viola, o Cristiano vai mostrar a clarineta e já vamos partir com tudo!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Auê total!

Todo final de ano é aquele mesmo auê! Correria para encerrar projetos, milagres para fechar orçamentos, um vira-tempo para dar conta de mil confraternizações e as famosas resoluções de ano novo. A expectativa é tão grande que a gente realmente acredita que vai fazer exercício regularmente, procrastinar menos no trabalho, e encarar sem dificuldade três desafios de leitura. E eu sempre juro de pés juntos que vou escrever neste blog com mais regularidade. Mas aí, em menos de um mês, já foi tudo por água abaixo. Pelo menos por aqui, ainda dá para recuperar o tempo perdido.

O ano começou, como de hábito, com um grande jejum de concertos graças às férias insuportavelmente longas dos músicos de orquestra da cidade. Enquanto isso, a gente se diverte com outras artes e a programação teatral no Rio está bombando. Dentre as peças em cartaz está mais um grande acerto da Sarau Agência de Cultura Brasileira e da Companhia Barca dos Corações Partidos (adoro esse nome!) com “Auê”.

Imagem "roubada" com todo carinho do Facebook da Companhia.

A peça (ou seria show?), reúne uma coleção impressionante de talentos incorporados em sete músicos/dançarinos/cantores/atores, mais um Rick de la Torre empolgadíssimo na bateria. Só de instrumento, se não me falha a memória, foram apresentados números com guitarra, baixo, sanfona, rabeca, saxofone, trombone, flauta, trompete, triângulo, e vários tambores e instrumentos de percussão cujos nomes corretos desconheço. Como se não bastasse atuar e tocar um instrumento, cada integrante do grupo toca no mínimo três, de pé, deitado, de cabeça para baixo, dançando e cantando ao mesmo tempo (o Beto Lemos é excepcionalmente irritante de tão versátil). O resultado são números belíssimos, ora leves e divertidos, ora profundos e emocionantes. Ah sim... as músicas são próprias. Eles brincam que é para não pagar direito autoral mas eu acho que é só para esbanjar mais um pouco o excesso de habilidade artística.

A expressão corporal meio descontruída e a movimentação do elenco no palco são um espetáculo à parte. A direção genial de Duda Maia soube aproveitar maravilhosamente bem a disposição do teatro de arena do SESC de Copacabana, privilegiando movimentos constantes, fluidos e entrelaçados. A iluminação perfeita e sincronizada com toda essa movimentação, assim como a maquiagem meio mística, dão o toque para que a emoção transborde.

Dentre meus números prediletos, destaco o longo e comovente poema/cordel declamado por Eduardo Rios; os números cômicos do Renato Luciano e os introspectivos com direito a solo de flauta do Alfredo del Penho; a linda canção do Fábio Enriquez pendurado na rede vermelha; o solo do Ricca Barros na escuridão, só com o rosto iluminado que me arrepiou todinha; e a música que encerra o espetáculo e arranca aplausos efusivos da plateia.

Mais impressionante que o espetáculo em si é a revelação que ele foi todo montado sem patrocínio. É nessas horas que não dá para entender o que se passa na cabeça dos apoiadores da cultura neste país. Um espetáculo lindo, brasileiríssimo, original e criativo merece todo o apoio para que ele possa deslumbrar plateias Brasil afora. Parabéns e obrigada à produção que nos brindou com esse presente.

Infelizmente a temporada de “Auê” se encerrou no último domingo. Quem perdeu tem que torcer para eles voltarem logo ao Rio. Quem foi e está doido para reviver alguns dos números mais memoráveis pode dar uma contribuição para a “vaquinha” que financiará o CD. É só clicar aqui ó: www.benfeitoria.com/auê. Um dos brindes para quem doa é uma serenata! Vai perder essa?


Só para fechar, no final da noite de sexta, quando fui assistir à peça, encontrei com o Adrén Alves no ponto de ônibus. Além de ser lindo e dono de uma voz surpreendente e encantadora, ele é um fofo e eu ganhei um abraço carinhoso. Ô sorte!