Todo final de ano é aquele mesmo auê! Correria para encerrar
projetos, milagres para fechar orçamentos, um vira-tempo para dar conta de mil confraternizações
e as famosas resoluções de ano novo. A expectativa é tão grande que a gente
realmente acredita que vai fazer exercício regularmente, procrastinar menos no
trabalho, e encarar sem dificuldade três desafios de leitura. E eu sempre juro
de pés juntos que vou escrever neste blog com mais regularidade. Mas aí, em
menos de um mês, já foi tudo por água abaixo. Pelo menos por aqui, ainda dá para
recuperar o tempo perdido.
O ano começou, como de hábito, com um grande jejum de
concertos graças às férias insuportavelmente longas dos músicos de orquestra da
cidade. Enquanto isso, a gente se diverte com outras artes e a programação
teatral no Rio está bombando. Dentre as peças em cartaz está mais um grande
acerto da Sarau Agência de Cultura Brasileira e da Companhia Barca dos Corações
Partidos (adoro esse nome!) com “Auê”.
Imagem "roubada" com todo carinho do Facebook da Companhia.
A peça (ou seria show?), reúne uma coleção impressionante de
talentos incorporados em sete músicos/dançarinos/cantores/atores, mais um Rick
de la Torre empolgadíssimo na bateria. Só de instrumento, se não me falha a
memória, foram apresentados números com guitarra, baixo, sanfona, rabeca,
saxofone, trombone, flauta, trompete, triângulo, e vários tambores e
instrumentos de percussão cujos nomes corretos desconheço. Como se não bastasse
atuar e tocar um instrumento, cada integrante do grupo toca no mínimo três, de
pé, deitado, de cabeça para baixo, dançando e cantando ao mesmo tempo (o Beto
Lemos é excepcionalmente irritante de tão versátil). O resultado são números
belíssimos, ora leves e divertidos, ora profundos e emocionantes. Ah sim... as
músicas são próprias. Eles brincam que é para não pagar direito autoral mas eu
acho que é só para esbanjar mais um pouco o excesso de habilidade artística.
A expressão corporal meio descontruída e a movimentação do
elenco no palco são um espetáculo à parte. A direção genial de Duda Maia soube
aproveitar maravilhosamente bem a disposição do teatro de arena do SESC de
Copacabana, privilegiando movimentos constantes, fluidos e entrelaçados. A iluminação
perfeita e sincronizada com toda essa movimentação, assim como a maquiagem meio
mística, dão o toque para que a emoção transborde.
Dentre meus números prediletos, destaco o longo e comovente poema/cordel
declamado por Eduardo Rios; os números cômicos do Renato Luciano e os
introspectivos com direito a solo de flauta do Alfredo del Penho; a linda
canção do Fábio Enriquez pendurado na rede vermelha; o solo do Ricca Barros na
escuridão, só com o rosto iluminado que me arrepiou todinha; e a música que
encerra o espetáculo e arranca aplausos efusivos da plateia.
Mais impressionante que o espetáculo em si é a revelação que
ele foi todo montado sem patrocínio. É nessas horas que não dá para entender o
que se passa na cabeça dos apoiadores da cultura neste país. Um espetáculo
lindo, brasileiríssimo, original e criativo merece todo o apoio para que ele
possa deslumbrar plateias Brasil afora. Parabéns e obrigada à produção que nos
brindou com esse presente.
Infelizmente a temporada de “Auê” se encerrou no último
domingo. Quem perdeu tem que torcer para eles voltarem logo ao Rio. Quem foi e
está doido para reviver alguns dos números mais memoráveis pode dar uma
contribuição para a “vaquinha” que financiará o CD. É só clicar aqui ó: www.benfeitoria.com/auê. Um dos
brindes para quem doa é uma serenata! Vai perder essa?
Só para fechar, no final da noite de sexta, quando fui assistir
à peça, encontrei com o Adrén Alves no ponto de ônibus. Além de ser lindo e dono
de uma voz surpreendente e encantadora, ele é um fofo e eu ganhei um abraço
carinhoso. Ô sorte!